Título: Candidatos chilenos desafiam conservadorismo
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2009, Internacional, p. A19

Atrás de votos, até a direita põe casal gay na campanha; população está mais aberta, mas as instituições resistem

Há alguns anos a cena seria impensável no Chile. Em sua propaganda eleitoral, o candidato da direita à presidência, Sebastián Piñera, aparece ao lado de um casal gay de mãos dadas. "Hoje as pessoas nos aceitam", diz Piñera, favorito para o segundo turno do dia 17. "Agora falta um país que nos respeite."

A propaganda de Eduardo Frei, da Concertação, o segundo colocado, exibe um beijo lésbico. Ambos apoiam a união civil entre pessoas do mesmo sexo - embora defendam que o "casamento" seja exclusivamente entre homem e mulher.

Para se ter uma ideia do que essas mensagens representam para a realidade chilena, basta lembrar que o divórcio só foi legalizado no país em 2004 e o homossexualismo era proibido há pouco mais de uma década. Lançado em 1988, o filme A Última Tentação de Cristo (de Martin Scorsese) só pôde ser exibido no Chile em 2003. Em 2008, o Tribunal Constitucional proibiu a pílula do dia seguinte por considerá-la uma forma de aborto. E mulheres e homens votam separadamente nas eleições.

"Essas propagandas são um sinal de que o Chile está em meio a um processo de mudança de valores e costumes", analisa o historiador chileno Joaquin Fernandois. "Mas esse processo tem retrocessos e avanços e muitas vezes não é acompanhado pelas instituições nem pelas forças políticas - ao menos não depois que elas são eleitas", completa Marta Lagos, do instituto de pesquisas Mori.

Para Rolando Jiménez, do Movimento de Integração e Libertação Homossexual, a propaganda de Piñera é eleitoreira. "A direita tenta se mostrar mais aberta para ganhar votos do centro", diz Jiménez. "Mas ela vem barrando todas as leis sobre os direitos de minorias sexuais e contra a discriminação."

Rolando admite que a população está mais flexível em diversos temas. Há dez anos, 70% dos chilenos se diziam homofóbicos. Hoje, só 45%. A própria eleição de Michelle Bachelet, em 2005, mostrou uma mudança de valores. A presidente é agnóstica confessa e mãe solteira de três filhos - num país onde os homens dominam muitas esferas da política e dos negócios e a Igreja Católica é incrivelmente influente.

"O problema é que o sistema político chileno, herdado da ditadura, não permite a partidos minoritários vencer as eleições com novas bandeiras", diz Jiménez. "Para ganhar é preciso entrar em uma das duas coalizões majoritárias, o que limita as propostas em vários temas."

Prova desse engessamento político é que, apesar do apoio de 80% da população, a própria lei do divórcio tramitou por oito anos no Congresso. Durante todo esse tempo, para driblar a proibição, muitos chilenos anulavam seus casamentos alegando erros simples nos contratos, como endereços adulterados. "Era o divórcio à chilena", lembra Fernandois.