Título: Um fracasso sem precedentes
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2009, Vida&, p. A25
O fracasso de Copenhague superou até mesmo as mais pessimistas expectativas. O maior evento diplomático da história não produziu um único compromisso sequer no sentido de enfrentar as mudanças climáticas. Nem mesmo o suposto acordo anunciado prematuramente pelos Estados Unidos no início da noite de sexta-feira, que já era pífio, foi aprovado na plenária de encerramento da conferência. Aparentemente, decidiu-se que era mais honroso admitir o fracasso do que tentar propagandear o sucesso de um acordo fantasioso que, na prática, não obrigava ninguém a fazer absolutamente nada.
Resumo da história: o único consenso obtido na conferência é o de que não foi possível chegar a consenso nenhum. Nem sobre mitigação, nem sobre adaptação, nem sobre financiamento, nem sobre tecnologia, nem sobre florestas, nem sobre nada. Mesmo após 15 dias de negociações, com os alertas dos cientistas, a pressão da opinião pública e a presença de dezenas de chefes de Estado, a conferência terminou sem estabelecer metas de redução de emissões de gases do efeito estufa - a peça fundamental de qualquer estratégia real de combate às mudanças climáticas - e sem garantia de ajuda financeira para os países pobres.
E agora? Sem uma estratégia internacional bem definida, as emissões de gases do efeito estufa continuarão a crescer, como vem crescendo desde o início da Revolução Industrial. A temperatura do planeta continuará a subir, as geleiras continuarão a derreter, o nível do mar continuará a subir, o comportamento do clima continuará a mudar, colheitas continuarão a ser perdidas e pessoas continuarão a morrer em enchentes, secas e furacões, até que a situação se tornará tão catastrófica que será impossível não tomar alguma providência.
O problema é que aí já poderá ser tarde demais para botar o clima de volta nos trilhos. Isso é o que a ciência prevê.
Dois anos atrás, na conferência de Bali (COP 13), todos os países concordaram que as decisões sobre as novas metas de redução e financiamento deveriam ser tomadas este ano, em Copenhague (COP 15). Razão: todas as pesquisas recentes indicam que as mudanças climáticas estão ocorrendo muito mais rápido do que se imaginava até poucos anos atrás. A primeira fase do Protocolo de Kyoto, que obriga os países industrializados a reduzir suas emissões, termina em 2012. Se as metas não forem renovadas até lá, o protocolo expira e é cada um por si.
Copenhague deveria ter sido o passo final desse caminho iniciado em Bali, com várias reuniões preparatórias ao longo do trajeto. Mesmo assim, vários líderes ainda tiveram a coragem de comemorar o fracasso de ontem como um "importante primeiro passo".
Entre mortos e feridos, quem sai com a imagem mais arranhada é o presidente americano, Barack Obama, que saiu de uma reunião com China, Índia, África do Sul e Brasil anunciando ter fechado um acordo "sem precedentes" com os países emergentes. Toda a imprensa americana noticiou que Obama havia forjado um acordo de última hora, que não era o ideal, mas que salvaria a conferência do fracasso - ignorando o fato de que o tal acordo ainda teria de ser aprovado em plenária por todo os outros países da Convenção. Não foi.
Obama não intermediou acordo nenhum. O que ele fez foi bater o pé e convencer os outros países - Brasil incluído - que era melhor ter um acordo fraco (mas que atendia aos interesses dos EUA) do que acordo nenhum. Acabou sem acordo nenhum, e ainda poderá dizer que foram os países pobres, ao rejeitar o acordo, que causaram o fracasso da conferência.
A próxima COP será em novembro de 2010, na Cidade do México. Quem sabe até lá acontece o tal "milagre" profetizado pelo presidente Lula.