Título: Cai o deputado da meia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2010, Notas e informações, p. A3

O juiz Álvaro Ciarlini, da 2ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, teve o cuidado de incluir em sua decisão liminar, que determinou o afastamento imediato do presidente da Câmara Legislativa de Brasília, Leonardo Prudente ? o já famoso deputado da meia ?, a multa diária de R$ 100 mil, em caso de descumprimento ou demora no cumprimento da sentença. De certo o magistrado entendeu a afinidade visceral que deve ter aquele político com dinheiro sonante, tal o zelo com que guardava as cédulas na meia, na cena que o País inteiro assistiu pela televisão. Qualquer outro tipo de sanção seria menos eficaz.

Mas, antes de tudo, o juiz foi claro e contundente ao relatar, em seu despacho, os fortes indícios de "banditismo institucionalizado" em que se insere o "propinoduto" brasiliense, vindo à público de maneira escancarada e tendo por eixo o central governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (sem partido). O juiz constatou ser "inegável a existência de indícios da prática de atos ímprobos por parte do demandado (Prudente)". E foi além: "O que há nos autos é um conjunto de elementos que constituem fortes indícios do cometimento de delitos gravíssimos, com o perdão do superlativo." Não bastasse isso, advertiu: "Os indícios de um sistêmico e crônico banditismo institucionalizado, no Distrito Federal e alhures, não tardarão a acionar os alarmes sociais e políticos que certamente propugnarão pelo "endurecimento" dos meios de controle que possam garantir a sobrevivência de nossa estrutura de sobrevivência de Estado, algo parecido com o processo político de exceção iniciado em 1964. Oxalá isso nunca volte a acontecer." De fato, não há como deixar de considerar "gravíssimo" o despencar ético do Executivo e do Legislativo da capital federal, nem ver com despreocupação mais esse episódio do qual ressalta o apodrecimento das instituições.

Flagrado colocando cédulas nos bolsos e na meia ? deu, depois, a singela explicação de que o fazia por não usar pasta ? o deputado Prudente licenciou-se da presidência da Câmara, mas apenas pelo tempo necessário para solidificar a sua base de apoio ? sabe-se lá por que meios ? e garantir sua impunidade. De novo no comando da Casa, armou esquema que travaria a apreciação de todos os pedidos de punição dos envolvidos no escândalo.

Mas não contava com o rápido pronunciamento da Justiça. Um advogado de Brasília havia proposto ação popular ? instrumento pelo qual "qualquer do povo" pode iniciar demanda judicial contra os que lesam o patrimônio público ? e o juiz encarregado do feito determinou o afastamento de Leonardo Prudente da presidência da Câmara Distrital, até a total apuração, pela Casa, das suspeitas reveladas pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, que investigou o "mensalão do DEM" do Distrito Federal.

Com Prudente na presidência e havendo na Câmara grande número de envolvidos no "propinoduto" estourado pela Polícia Federal, não haveria como apurar coisa alguma. Assim, a decisão do juiz Ciarlini foi uma medida profilática indispensável.

A decisão judicial também destravou o que parecia ser um nó cego político. O empresário Paulo Octávio, por exemplo ? atual vice-governador e cogitado para suceder o governador José Roberto Arruda, que obviamente não se candidatará à reeleição ?, anunciou sua desistência e é possível que deixe a política.

Com a maioria governista formada na Câmara Distrital ? em boa parte constituída por deputados filmados quando embolsavam propinas ? seria praticamente impossível, no âmbito do Conselho de Ética e do plenário da Casa legislativa, punir os corruptos e restaurar um mínimo de padrões éticos. Por isso, o processo de moralização ? tanto no Executivo quanto no Legislativo ?, que a cada dia se torna exigência mais insistente da sociedade, não podia deixar de contar com a firme atuação do Poder Judiciário.

Resta lamentar que maiorias parlamentares ? e o caso da Câmara Distrital não é único ? estejam a serviço do acobertamento das mazelas de seus próprios integrantes, pois o voto depositado pelos eleitores nas urnas não é um instrumento de indulto nem é uma procuração para absolver malfeitores que também estejam no exercício de um mandato eletivo.