Título: Perigo nas contas externas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2010, Notas e informações, p. A3

O Brasil atravessou a crise global sem grandes danos graças ao bom estado das contas externas. Sem esse fator de segurança, o País teria sido muito mais vulnerável à especulação cambial e a recessão teria sido, quase certamente, mais longa e mais dolorosa.

O próximo governo encontrará um balanço de pagamentos menos saudável, com um rombo próximo de US$ 50 bilhões em transações correntes e com tendência a aumentar, se não houver grande mudança no cenário, nos próximos meses.

É preciso trabalhar desde já para evitar uma vulnerabilidade bem maior em 2011. Isso será essencial para garantir à próxima administração um começo sem grandes apertos e, especialmente, sem dificuldades graves para enfrentar uma nova turbulência internacional.

A reativação da economia nacional deverá provocar neste ano um forte aumento de importações. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem apresentado estimativas próximas de 6% para a expansão do PIB em 2009. No mercado financeiro, a mediana das últimas projeções, recolhidas na semana passada pelo Banco Central (BC), ficou em 5,30%. Essa previsão tem sido revista para mais e poderá continuar em alta.

De toda forma, economistas da maior parte dos setores têm manifestado a expectativa de uma forte aceleração da atividade, impulsionada principalmente pelo mercado interno.

Já em 2009 a economia brasileira foi sustentada pela demanda interna, estimulada pelo corte de impostos e pelos elevados gastos públicos, principalmente de custeio. No primeiro semestre, durante a fase recessiva e no começo da reativação econômica, as importações caíram mais que as exportações. Mas a situação mudou nos meses seguintes, porque a aceleração do crescimento econômico reforçou a procura de bens produzidos no exterior.

A maior procura de bens importados é normal numa fase de expansão econômica. No Brasil, a valorização do real ampliou esse efeito e funcionou como um obstáculo adicional às exportações.

Outros obstáculos têm sido a retração da maior parte dos países desenvolvidos e a multiplicação de barreiras protecionistas. Os entraves impostos pelo governo argentino aos produtos fabricados no Brasil foram especialmente danosos, por causa da importância do mercado argentino para a indústria brasileira.

O saldo comercial de 2009, de US$ 25,35 bilhões, foi ligeiramente maior que o do ano anterior, de US$ 24,96 bilhões, por causa da retração econômica nacional. Se a economia brasileira houvesse crescido na faixa de 4%, como chegaram a prever autoridades federais no fim de 2008, o resultado final teria sido muito menos favorável. Mas o saldo em transações correntes foi amplamente negativo, apesar do resultado razoável na conta de mercadorias. O déficit acumulado durante o ano chegou a US$ 24,3 bilhões. O investimento direto estrangeiro, US$ 25,9 bilhões, bastou para cobrir o buraco, embora tenha sido 42,4% menor que o do ano anterior.

Analistas do mercado financeiro e de consultorias privadas projetam cenários menos agradáveis para 2010 e 2011. Em quatro semanas, o buraco em conta corrente projetado por esses especialistas aumentou de US$ 40,35 bilhões para US$ 45,50 bilhões. No mesmo intervalo, o déficit previsto para 2011 cresceu de US$ 45 bilhões para US$ 55 bilhões, de acordo com as estimativas coletadas pelo BC.

Vários fatores têm sido considerados pelos analistas e o mais importante é a deterioração da conta de exportações e importações de mercadorias. O superávit comercial projetado para este ano caiu para US$ 10,75 bilhões. O excedente comercial quase desaparecerá em 2011, se as estimativas estiverem corretas: não passará de US$ 4,50 bilhões, por causa do descompasso entre o crescimento das importações e o das exportações.

Se o dólar se valorizar mais do que hoje se prevê, o saldo comercial poderá ser maior. Mas o câmbio depende também de fatores externos e fora do controle de Brasília. Resta cuidar de outros itens importantes para quem tem de competir, como a tributação e o crédito. Mas o governo mostra-se muito mais inclinado a aumentar os gastos eleitorais do que a cuidar seriamente das condições de competitividade, porque isso envolveria decisões importantes na área fiscal e tributária.