Título: Maior desafio no Haiti é coordenar ajuda externa
Autor: Sant 'Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2010, Internacional, p. A14

O Estado haitiano já era disfuncional antes do dia 12 e um dos aspectos mais trágicos do terremoto é que ele dizimou o que restava desse aparelho estatal no momento em que a população mais necessita dele. O presidente René Préval tem dito que o grande desafio de seu governo agora é a coordenação da ajuda humanitária.

O desastre provocou enorme solidariedade internacional, traduzida em milhares de toneladas de mantimentos e medicamentos, que chegam de avião e por terra - o porto se tornou inutilizável. Nada disso, porém, chegará à população sem coordenação. Na falta do Estado, a ONU tem assumido a tarefa, relegando a René Préval o papel simbólico de anfitrião.

"Antes do terremoto, a administração e os serviços públicos já eram muito frágeis", diz Michel Pinauldt, chefe de Serviços Extraordinários do Ministério do Interior francês, que até março do ano passado ajudou o governo haitiano na sua organização administrativa. "É neste momento que a eficiência tem de estar no nível máximo. Infelizmente, não é o caso."

Pinauldt se reuniu ontem com Préval, que lhe pediu ajuda na reorganização da administração depois do desastre. Não há informação sequer sobre questões básicas, como o número de funcionários públicos no país, e muito menos de quantos morreram no terremoto. Os números variam de 45 mil a 60 mil.

De acordo com Pinauldt, não se sabe ao certo porque parte dos funcionários públicos não está na folha de pagamento do Estado, que paga diretamente dos cidadãos prestadores de serviços. "Não é propina", disse.

No Haiti, é normal se pagar diretamente para garantir que um serviço público seja executado. Cinquenta famílias se reuniram e pagaram US$ 5 mil, por exemplo, para que uma escavadeira do Ministério de Obras Públicas revirasse os escombros do prédio do Ministério do Planejamento, onde seus parentes estavam soterrados.