Título: Préval recorre ao governo do improviso
Autor: Sant 'Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2010, Internacional, p. A14

Presidente despacha com ministros no pátio da sede da Polícia Judiciária

Desde que o palácio e a residência do presidente foram destruídos pelo terremoto do dia 12, assim como os prédios de todos os 17 ministérios, o Senado, a Câmara e a Corte Suprema de Justiça, o Haiti é governado das repartições da Direção de Polícia Judiciária e da sombra das mangueiras e palmeiras de seu pátio interno. É aqui que o presidente René Préval despacha com seus ministros, recebe líderes estrangeiros e faz reuniões de coordenação com organizações humanitárias.

Nesses nove dias desde que seu país foi semidestruído pelo que os haitianos chamam de "a catástrofe", o presidente ainda não saiu de Porto Príncipe. O governo haitiano não tem helicóptero e precisará de um emprestado da ONU, quando Préval decidir visitar as áreas mais inacessíveis, diz seu assessor de imprensa, Volcy Assad.

Todos os dias o presidente sai para ver a situação em Porto Príncipe. Ele mesmo dirige o seu Toyota Land Cruiser marrom-claro, escoltado por agentes da Unidade de Segurança Presidencial, um ramo especializado da polícia, num comboio com um carro à sua frente e três atrás.

"Ele gosta de dirigir", explica um policial. Préval, um agrônomo de 67 anos, eleito em 2006, e que já havia sido presidente entre 1996 e 2001 e primeiro-ministro em 1991, sempre foi conhecido como um político informal, prático e imprevisível. "Ele é muito espontâneo. Não se pode planejar com ele", diz um assessor. Mas depois do terremoto ele se tem superado. Pouco depois de salvar-se por uma fração de segundo, subiu na garupa de um mototáxi, para ver como tinha ficado Porto Príncipe.

O terremoto ocorreu quando Préval chegava com sua mulher, Elisabeth Debrosse, com quem se casou há dois meses, à residência oficial, vindo do palácio. Quando iam entrar na casa, o chão começou a tremer. Eles deram dois passos atrás e viram a casa caindo diante deles. Préval e Elisabeth sentaram-se no pátio e começaram a chegar os ministros. Todos tiveram suas casas destruídas, com exceção do ministro de Assuntos Sociais, Yves Chrystalin.

Elisabeth, que é assessora econômica do presidente, conta que ele saiu de casa para vistoriar a cidade sem saber o que tinha acontecido com suas filhas, Patricia e Dominique. Nenhum telefone funcionava naquele momento - e até hoje só funciona parte dos celulares, precariamente. Ambas estão bem. Patricia é cinegrafista e trabalha na assessoria de comunicação da presidência. Dominique tem uma livraria, assim como sua mãe, Solange.

Préval chega com Elisabeth ao QG da Polícia Judiciária todos os dias às 8 horas. Lá, o casal almoça e passa o dia, saindo às 19 horas. Eles estão dormindo cada noite em uma casa de amigos. Os detalhes não são revelados por razões de segurança. Em geral, quando recebe visitantes, como o senador americano Jesse Jackson, que foi ontem perguntar como podia ajudar, Préval usa as salas internas do QG, composto por três casas. Mas às vezes se senta com seus ministros e auxiliares em torno de uma mesa retangular de plástico, à sombra de uma mangueira do pátio. Com réplicas do tremor ocorrendo todos os dias - o maior atingiu na quarta-feira 5,9 na escala Richter -, os haitianos sentem-se muito mais seguros ao ar livre do que dentro de construções.

Além de Jackson, Préval recebeu no QG da polícia a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, seu marido, o ex-presidente Bill Clinton - que com o também ex-presidente George W. Bush faz campanha para angariar ajuda para o Haiti -, o presidente dominicano, Leonel Fernández, o vice boliviano, Álvaro García Linera, e o chanceler Celso Amorim. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá visitá-lo no mês que vem.

Arquitetos estão avaliando se reconstroem o Palácio Beaux-Arts, construído no fim do século 19 no centro da cidade, ou se terminam de demoli-lo e erguem outro. A residência presidencial, em um morro rodeado por uma favela, não tem recuperação.