Título: Igrejas clandestinas estão na mira do governo de Pequim
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/12/2009, Internacional, p. A10
No mês passado, 5 protestantes foram condenados por liderar templo ilegal com 60 mil seguidores; há também 8 padres e 3 bispos católicos presos
"Clandestino" é um adjetivo utilizado na classificação de movimentos políticos, mas na China ele é associado a igrejas que existem sem a autorização do governo, o que coloca seus seguidores na mira das forças de segurança de Pequim.
No fim do mês passado, a China condenou cinco religiosos protestantes a penas de 3 a 7 anos de prisão, em uma das mais duras decisões em casos do tipo. O grupo liderava uma igreja que reunia 60 mil seguidores na Província de Shanxi, no norte da China.
Como várias que existem no país, a igreja não era registrada no Departamento de Assuntos Religiosos do governo, responsável pela supervisão de temas relacionados à fé. Sua função é garantir que as igrejas respeitem o Partido Comunista e não tentem desafiar sua autoridade. Não por acaso, os grupos registrados recebem o nome de "patrióticos", pela promessa de fidelidade ao Estado antes da religião.
"OPIO DO POVO"
Além da visão crítica que os comunistas têm da religião - o "ópio do povo" marxista -, a história chinesa reforça a desconfiança em relação a movimentos religiosos. Nos 2 mil anos de trajetória imperial, nunca existiu uma igreja independente que rivalizasse com o poder do Estado, à diferença do que ocorreu no Ocidente com o catolicismo. E uma das maiores ameaças à última dinastia chinesa, a Qing (1644-1911), foi a Rebelião Taiping (1850-1864), comandada por um líder messiânico que acreditava ser o irmão mais novo de Jesus Cristo .
Mais recentemente, o papa João Paulo II teve participação decisiva no fim dos regimes comunistas do Leste Europeu e na queda do Muro de Berlim, algo que Pequim não pretende que se repita em seu território.
China e Vaticano não têm relações diplomáticas e a Igreja Católica Patriótica não é subordinada ao papa. Seus padres e bispos são ordenados pela própria organização, sob a supervisão do Departamento de Assuntos Religiosos.
Os católicos ligados ao Vaticano mantêm na China uma rede clandestina de seminários e igrejas, dirigidos por padres e bispos nomeados pelo papa. A Cardinal Kung Foundation, com sede nos EUA, estima que oito padres e três bispos da Igreja Católica Romana estão presos na China. De acordo com a entidade, outros dois bispos morreram na prisão recentemente, um em 2007 e outro em 2005.
O advogado Li Fanping, que defendeu os cinco protestantes condenados no mês passado, acredita que o principal alvo do governo são as igrejas familiares, compostas por pequenos grupos que se reúnem em casas.
"As igrejas familiares estão entre as forças não-governamentais de maior crescimento do país. Esse grupo está fora do controle do governo e, na China, as autoridades são hostis aos movimentos que fogem ao controle oficial, porque são vistos como uma ameaça ao regime e à estabilidade social", disse ao Estado Li Fanping, cristão desde 1997.
O governo também vê com suspeita o trabalho de missionários estrangeiros, associados ao colonialismo de que a China foi vítima a partir de meados do século 19. Inúmeros pregadores católicos e protestantes entraram no país sob a proteção das forças invasoras para converter os chineses ao cristianismo. Hoje, a atuação de missionários estrangeiros é proibida pelo governo, mas muitos agem de forma clandestina.
O exemplo mais recente que Pequim quer evitar é a seita Falun Gong, que nos anos 90 reuniu 70 milhões de seguidores, número superior ao de filiados ao Partido Comunista na época. A Falun Gong foi banida em 1999, depois que 10 mil de seus seguidores cercaram a sede do PC para pressionar pela libertação de um integrante do grupo. As autoridades chinesas classificam a Falun Gong de "culto maligno" e não admitem nenhuma manifestação pública de simpatia pelo movimento.