Título: Ajuda só chega a 25% dos haitianos
Autor: Colon, Leandro ; Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2010, Internacional, p. A17

ONU admite problemas na doação de comida, que é feita pelos brasileiros em missões secretas para evitar tumultos

e A ONU reconheceu ontem ter conseguido alimentar apenas 25% dos sobreviventes e diz que, até hoje, nem sequer chegou a todos os que sofreram com a tragédia. Pelo menos 2 milhões de haitianos ainda dependem de ajuda alimentar. A dificuldade na distribuição de comidas aos haitianos é perceptível. Nos últimos dias, o Estado acompanhou cinco ações em que dezenas de pessoas foram para a fila, mas ficaram sem os mantimentos.

Não há distinção de região: Cité Soleil, Bel Air ou o Palácio Nacional. As tropas da ONU evitam divulgar aos haitianos quando e onde haverá entrega de mantimentos. A chegada costuma ser de surpresa, em articulação com os líderes comunitários de cada região. Oficialmente, o argumento dos militares é de que essas operações evitam tumultos.

O efeito, porém, tem sido o contrário. Antes, havia um privilégio para as mulheres na fila. Depois do terremoto, não há mais esse controle. Vale quem chegar primeiro. Assim como não se controla a quantidade de vezes que alguém recebe os mantimentos.

Ontem, as tropas brasileiras usaram gás lacrimogêneo para acalmar a população que brigava por comida na região do Palácio Nacional. A distribuição de oito toneladas chegou a ser interrompida. Em Cité Soleil, a polícia decidiu entregar comida por conta própria e teve de chamar ajuda brasileira.

Na terça-feira, patrulhas brasileiras organizaram a distribuição nos bairros de Bel Air e Deumas, onde milhares de pessoas dormem nas ruas desde o terremoto. Pelo rádio, os militares decidiam onde estacionariam para iniciar cada operação.

Durante o trajeto, haitianos que perambulam pelas ruas pediam para que as viaturas parassem. "Outro dia, aqui é outro dia", respondiam os soldados brasileiros. No entanto, receber a visita da missão da ONU também não significa comida debaixo do braço.

Em todas as operações acompanhadas pela reportagem, dezenas de haitianos vão para a fila, se espremem, e ficam sem comida. Na madrugada de ontem, muitos reclamavam não terem recebido nada.

A ONU anunciou que pretende aumentar o valor destinado às operações humanitárias. O trabalho deverá ser mantido por pelo menos um ano - ao contrário da previsão inicial, que era de apenas seis meses. O problema é que apenas um terço do dinheiro, US$ 275 milhões, foi liberado até agora.

Outra prioridade do trabalho de socorro é o de garantir que barracas sejam enviadas ao Haiti. Até agora, a organização conta com apenas 40 mil barracas - boa parte ainda nem chegou.

A organização também anunciou que pretende dar mais atenção às cidades do interior, já que quase 300 mil sobreviventes deixaram a capital rumo a essas regiões. A ONU afirma que o atendimento aos haitianos está "entrando nos trilhos". "Ainda não é perfeito, mas a tarefa não é impossível", disse Elizabeth Byrs, porta-voz da organização.

Ontem, uma equipe dos EUA resgatou um homem sob os escombros de um prédio em Porto Príncipe. No entanto, os americanos disseram que ele esteve preso por 12 dias e não é um sobrevivente do terremoto do dia 12. Eles desconfiam que o homem, Rico Dibrivell, de 35 anos, que foi retirado coberto de pó, possa ser um saqueador que ficou preso entre as ruínas do edifício após uma das réplicas que atingiram a capital haitiana. Dibrivell foi levado ao hospital com uma perna quebrada.