Título: Apertar ou não apertar
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2010, Economia, p. B2
A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) agendada para ontem e hoje com o objetivo de rever os juros básicos já não se realiza na mesma paisagem de consumo contido e inflação em queda de alguns meses atrás.
Ao contrário, os formadores de preço e o mercado financeiro, que acompanham esse movimento de perto - porque há muito dinheiro envolvido em contratos futuros -, estão prevendo um esticão nos preços.
O gráfico mostra qual a percepção das pessoas para o comportamento da inflação, tal como aferido semanalmente pelo Banco Central (BC) por meio da Pesquisa Focus junto a cerca de 100 agentes econômicos.
Há dois fatores principais puxando os preços. O primeiro deles é a gastança do governo federal. As despesas correntes do Tesouro estão crescendo a um ritmo inquestionavelmente forte, a 17% ao ano, porque o governo Lula está colocando em prática a estratégia de facilitar a vida do consumidor num ano eleitoral difícil, em que a vitória da candidata do governo não está nem um pouco garantida.
Mais despesas correntes e a disparada do crédito (a 15% ao ano) estão turbinando o consumo, que cresce a 5% ao ano, aparentemente acima da capacidade de oferta da produção local.
Nessas condições, o risco é a volta da chamada inflação de demanda, em que a procura por bens e serviços vai de automóvel e a produção segue atrás, de carroça. E quando isso acontece, o BC tem o dever de cortar certa proporção do volume de dinheiro do mercado, providência que, por sua vez, aumenta os juros e restringe o consumo.
Os porta-vozes do setor produtivo não gostam desse tipo de raciocínio. Por eles, seria bom que a inflação corresse um pouco solta para que um aumento da demanda estimulasse o investimento que, mais à frente, garantisse mais produção.
O problema é que, no sistema de metas, o Banco Central tem de apertar a política monetária para que, em seis ou sete meses, produza o efeito de empurrar a inflação para dentro da meta que, neste ano, é 4,5%.
Ainda não está inteiramente claro até que ponto a indústria tem capacidade de produção não utilizada de maneira a garantir aumento da oferta sem necessidade de investimento. E, também, não está claro até que ponto o empresário está disposto a investir sem saber que alterações na política econômica e nas regras do jogo serão adotadas pelo governo que tomará posse dentro de 11 meses.
O ponto de vista do presidente Lula parece claro. Ele entende que uma eventual disparada na inflação criará inquietação e que isso não é bom para eleger candidatos identificados com o governo. Por esse lado, o governo quer ação que evite um clima adverso. Por outro, não quer parar com a gastança, que cumpre a função de amolecer o coração do eleitor. Isso significa que menos equilíbrio fiscal acaba sobrecarregando as tarefas do Banco Central.
Não há certeza sobre quando o BC começará a apertar sua política de juros. A aposta do mercado é que isso não acontecerá hoje, mas, provavelmente, só em março ou abril. Em princípio, quanto antes começar, menor terá de ser a carga futura de juros, especialmente às vésperas das eleições.
Confira
Strip-tease - O ministro Tarso Genro desmentiu informação veiculada em manchete pelo jornal Valor Econômico de que projeto de lei preparado pelo Ministério da Justiça vai exigir que toda grande empresa terá de distribuir a seus funcionários 5% do seu lucro líquido.
Mas Tarso Genro admitiu que um grupo de trabalho está estudando certos assuntos dessa ordem. "Não há decisão do governo", disse ontem.
O problema está em saber se os sindicatos irão controlar os resultados das empresas que não estão obrigadas a publicar balanço, como é o caso das montadoras de veículos.