Título: Encontro de Davos será de alívio e ansiedade
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2010, Economia, p. B3

Para economista, algumas pessoas estão entrando numa mentalidade de bolha de novo

A tônica do Fórum Econômico Mundial de Davos este ano deve ser a de "alívio com um toque de ansiedade", nas palavras do economista americano Robert Shiller. Ele chegou a Davos ontem, e hoje participa de um debate sobre "o problema com as bolhas", no primeiro dia do Fórum. Em entrevista publicada no domingo, no Estado, Shiller disse que há uma possibilidade significativa de a economia americana participar do chamado "duplo mergulho" ? isto é, voltar à recessão, depois de começar a se recuperar da severa retração da primeira metade de 2009. É esse medo de que as coisas desandem de novo, para o economista, que deve acrescentar uma pitada de ansiedade ao clima naturalmente mais otimista do Fórum este ano.

Shiller, considerado um dos maiores estudiosos das tendências irracionais dos mercados, e da influência que eles sofrem das peculiaridades da psicologia humana, é taxativo sobre o momento atual: "Algumas pessoas estão entrando numa mentalidade de bolha de novo, e fica claro que elas não aprenderam a lição da crise". Ele acrescenta que parte importante da opinião pública nos EUA acha que o que houve foi apenas mais uma recessão e já acabou, com boas perspectivas à frente para a bolsa e a economia. "O homem é um animal social, e o entusiasmo é contagiante."

O economista, da Universidade Yale, explica que a confiança dos seres humanos é um sentimento altamente volátil, sujeito a grandes oscilações. Dessa forma, assim como ela subiu muito desde o início de 2009, pode voltar a cair. Um dos fatos que o preocupam é que, simultaneamente ao aumento de confiança registrado nas pesquisas, persiste a preocupação com o prolongamento por muito tempo de uma situação econômica ruim. As duas percepções são contraditórias, mas a preocupação com o futuro, segundo Shiller, torna as pessoas defensivas e compromete o espírito empreendedor necessário para sustentar o crescimento econômico.

Essa mesma cautela ele vê no desempenho do presidente Barack Obama no primeiro ano do seu mandato. Shiller compara Obama com Franklin D. Roosevelt, também presidente durante momentos duríssimos ? a Grande Depressão. Na visão do economista, Roosevelt foi bem mais ousado do que Obama ante uma situação adversa. Ele exemplifica com a criação do seguro de depósitos bancários, que já tinha sido tentado com péssimos resultados algumas vezes e Roosevelt tocou adiante. "O Obama parece bem mais cauteloso", diz.

Durante os debates no Fórum Econômico Mundial, Shiller deve reforçar a corrente de economistas que joga boa parte da culpa da crise global na teoria dos mercados eficientes. Para ele, porém, o mal dessa visão de mundo vai além da questão puramente humana, e assume contornos quase filosóficos: "Se você realmente toma a forma mais extrema da eficiência dos mercados, eles se tornam uma espécie de Deus, que comunica a verdade. Você não reza para Deus, mas pergunta para os mercados, que nunca podem ser questionados".

Shiller vê riscos de bolhas nos mercados emergentes, particularmente no mercado residencial chinês, mas admite que é muito difícil prever quando elas vão estourar. Em relação à economia global, sua preocupação é que a ansiedade, que se mistura ao alívio depois que o pior passou, possa funcionar como "profecia autorrealizável": o medo de que as coisas piorem de novo fazendo com que elas de fato piorem.