Título: Juristas criticam STF por causa da censura judicial
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/12/2009, Nacional, p. A8
Para Lazzarini e Altenfelder, a proposta contraria espírito constitucional
Um juiz poderia, constitucionalmente, censurar a imprensa ou determinar o que jornalistas devem escrever? O desembargador aposentado Álvaro Lazzarini, ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), e o presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Ruy Altenfelder, não têm dúvidas sobre a resposta. Para ambos, a ideia, defendida por pelos menos dois ministros do STF no julgamento da censura ao Estado, não encontra nenhum amparo na Constituição, o que a torna, portanto, inconstitucional.
"O artigo 5.º da Constituição Federal deixa bem claro que é livre a expressão, independente de censura ou licença, assim como o artigo 220 esclarece, com todas as letras, que não poderá ser aprovada nenhuma lei que contenha embaraço à plena liberdade de informação, além de vedar explicitamente a censura", afirmou Lazzarini.
Também estudioso de temas constitucionais, Altenfelder concorda com o ex-presidente do TRE. "O julgamento nos causou uma enorme estupefação. O Supremo Tribunal Federal (STF) ficou no terreno das preliminares e não discutiu o mais importante, um ataque direto à liberdade de imprensa, assegurada na nossa Carta Magna, por um tribunal inferior."
Para Lazzarini, o STF contradisse a si próprio durante o julgamento, ao não discutir o principal tema que deveria ser apreciado pelos ministros. "O que estava em jogo era a volta da censura prévia, o que é detestável em um País que se pretende democrático. Mas a questão não foi sequer tocada", criticou. Em abril, a própria corte suprema extinguiu a Lei de Imprensa, vista como uma legislação draconiana que previa a censura prévia e, até mesmo, prisão de jornalistas.
Altenfelder, por sua vez, lembrou que a liberdade de imprensa e de opinião integra o conjunto de direitos fundamentais previstos na Constituição, o que a torna cláusula pétrea, ou seja, aquela que não pode ser contrariada, ainda mais por órgãos do Poder Judiciário. "Pensamos que, com o fim da ditadura, jamais veríamos o fantasma da censura prévia em nossa frente. No entanto, eis que ela está de volta, patrocinada pelo Judiciário", lamentou.
A própria Constituição estabelece, de acordo com os juristas, em seu sistema de pesos e contrapesos, o antídoto para eventuais abusos da liberdade de imprensa. "A indenização judicial, a posteriori, fixada pela autoridade competente, é o caminho natural para quem se sentir ofendido por matéria jornalística", afirmou Lazzarini.
DESDOBRAMENTOS
Na opinião do desembargador, o Estado não deveria aceitar a desistência do empresário Fernando Sarney do processo, conforme ele anunciou na sexta-feira, último dia antes do recesso do Judiciário.
"Ele quer posar de magnânimo, como se fosse vítima de infâmia. O jornal deveria, em minha visão, levar o processo adiante, para forçar o STF a, enfim, emitir sua opinião sobre o assunto, de importância fundamental para a nossa democracia", disse.
Fernando Sarney entrou com um pedido de liminar contra o Estado, impedindo a divulgação de reportagens sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que o indiciou por vários crimes. O pedido de liminar foi aceito pelo desembargador Dácio Vieira, ligado à família Sarney. Ele foi declarado suspeito e afastado do caso.