Título: Milionários escapam ilesos da destruição do terremoto
Autor: Lopes, Eugênia
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2010, Internacional, p. A12

Condomínio de luxo revela o outro lado de Porto Príncipe

SEGURANÇA - Haitianos passam na frente do Condomínio Belvil, na capital: muitos dos empregados foram afetados pela tragédia

A 5 minutos da base militar brasileira de Porto Príncipe e a 20 minutos do aeroporto, um condomínio de luxo no alto da montanha assusta quem passou os últimos dias na parte baixa da cidade. O terremoto que destruiu a pobre capital do Haiti, no dia 12, não deixou marcas na parte rica.

Os milionários escaparam da tragédia - um contraste com as ruas destruídas e o cenário de escombros, lixo, bichos, corpos, saques e violência. Das 300 casas do condomínio Belvil, visitado ontem pelo Estado, apenas 5 foram afetadas, mas sem grandes proporções.

Não houve vítimas. Quem passa por ali não sente qualquer cheiro da desgraça que tomou conta da capital do Haiti há duas semanas. Bel Air e Cité Soleil, bairros pobres e em frangalhos após o terremoto, ficam a 20 minutos de Belvil.

As mansões do condomínio estão intactas, com os carros e jipes importados na garagem e nas ruas. A eletricidade está em perfeitas condições. Do lado de fora, seguranças de empresas privadas vigiam as ruas com espingardas em punho por US$ 70 mensais. Alguns deles perderam casas e parentes no tremor de terra.

O Estado encontrou ontem o condomínio em meio a um passeio pela parte alta de Porto Príncipe. Depois de uma portaria, surgem casas que lembram condomínios de luxo do Brasil. A maioria tem uma arquitetura de sobrado, com grandes varandas, muitas janelas, maçanetas douradas e áreas de lazer, inclusive piscinas.

Nenhum terreno tem menos de mil metros quadrados. "Nas residências de luxo, vivem haitianos com muito dinheiro - são engenheiros, comerciantes e empresários", conta Jean Espeanta, de 36 anos, que trabalha na administração do condomínio.

Segundo ela, o preço das casas varia de US$ 250 mil a US$ 600 mil. O empresário haitiano Lacoste Kens, de 38 anos, tem uma mansão em Belvil há nove anos. Um tanto desconfiado, recebeu a reportagem para uma conversa. Contou que é importador de tomate, arroz e frango, entre outras coisas. Seus três filhos estudam em uma escola particular. Ele paga US$ 400 por mês pela matrícula de cada um. "Depois do terremoto, eles foram para minha casa em Nova York", disse, sem esquecer de criticar os políticos. "Aqui não tem governo."

Gerson Duoler, de 42 anos, pai de quatro filhos, faz a segurança do condomínio. Metade de sua casa de três cômodos foi destruída pelo terremoto. Sete pessoas moram nela. A escola de seus filhos também veio abaixo, assim como a do segurança Honore Batista, de 43 anos.

"A escola caiu", contou, lamentando a morte do primo na tragédia. Seu colega de trabalho chama a reportagem de lado e pede para falar. "Aqui no Haiti, tem muito dinheiro nas mãos de apenas 5%", diz Gyn Júnior.

O cenário luxuoso do condomínio Belvil impressionou o jovem Johnson, de 18 anos, que trabalha para a reportagem como intérprete. Ele - que aprendeu a falar português com os militares brasileiros e agora passa o dia diante da base militar em busca de dinheiro - perdeu a casa no terremoto e agora dorme com a mãe na parte da frente do que sobrou da residência. Seus amigos e parentes estão acampados debaixo de lonas e lençóis.