Título: Eficácia tardia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2009, Notas e informações, p. A3

Chega com muito atraso a mudança que a Receita Federal anuncia como parte de um processo de aperfeiçoamento do sistema de cobrança de débitos tributários, e que, até agora, resultou no envio de dois lotes de intimação a empresas para que quitem o que, confessadamente, devem ao Fisco. Essa providência poderia ter sido tomada há muito mais tempo, pois há décadas a Receita dispõe de informações que os contribuintes pessoas jurídicas são obrigados a enviar regularmente ao órgão arrecadador ? por meio de um formulário específico no qual relacionam os créditos tributários de que dispõem e também os débitos vencidos e não quitados ?, mas não as utilizava com a eficácia necessária para evitar o acúmulo de inadimplência.

Na semana passada, a Receita enviou a intimação para 50.390 pessoas jurídicas que têm dívidas declaradas de R$ 4,3 bilhões com o Fisco. Em outubro, havia intimado outras 110.605 empresas, com dívidas confessadas de R$ 4,7 bilhões.

Ainda não foram divulgados os resultados concretos da primeira intimação. Mas, com as mudanças que vigorarão a partir de 1º de janeiro na forma de prestação de informações ao Fisco pelas pessoas jurídicas e com a decisão da Receita de incluir automaticamente no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin) as empresas que reconhecem a dívida tributária, mas não a quitam, a arrecadação adicional não será desprezível.

Os lotes de intimações enviados pela Receita tiveram como base as Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), que, em 2009, as empresas estão sendo obrigadas a entregar mensal ou semestralmente, dependendo de seu porte. Esse documento existe desde 1986, com diferentes denominações e prazos para apresentação, mas sua finalidade é sempre a mesma, ou seja, informar a situação do contribuinte perante o Fisco num determinado período.

Neste ano, por exemplo, todas as empresas tiveram de entregar até o dia 5 de abril a DCTF relativa ao segundo semestre de 2008. As empresas que faturam mais de R$ 30 milhões ou têm débitos tributários de mais de R$ 3 milhões são obrigadas a apresentar DCTFs semestrais e mensais.

Isso quer dizer que, pelo menos desde abril, a Receita já dispunha de informações precisas sobre a situação fiscal das empresas, mas só em outubro, após a entrega da segunda DCTF semestral, resolveu agir. Por coincidência, foi o período em que ela foi muito criticada por ter acumulado um grande volume de restituições de Imposto de Renda recolhido a mais pelas pessoas físicas no ano passado, mas, mesmo assim, alegava não ter condições de fazer todas as devoluções em 2009. Algum tempo depois, foi obrigada a voltar atrás. Era também o período em que a arrecadação continuava a cair. A queda foi, em parte, atribuída à perda da eficiência da Receita, que, com a ofensiva contra os contribuintes em atraso, tenta recompor sua imagem.

Para isso não precisou fazer mais do que mudar alguns procedimentos administrativos. O Fisco está usando mais intensamente alguns dos instrumentos de que dispõe para combater a sonegação e a inadimplência, e torna alguns deles mais rigorosos. Instrução normativa baixada no fim de novembro, por exemplo, estabelece que, a partir de 2010, a entrega das DCTFs por todas as empresas voltará a ser mensal.

Assim, a Receita poderá emitir mensalmente intimações para que os contribuintes em atraso façam os pagamentos devidos. Ela promete fazer isso a partir de abril. "A meta agora é cobrar a dívida o mais próximo possível do fato gerador", justificou o coordenador de Cobrança da Receita, João Paulo Martins da Silva. Essa, na verdade, deveria ter sido sua meta sempre, não só a partir de agora.

A inscrição automática no Cadin dos contribuintes que reconhecem a dívida, mas não a quitam no prazo de 75 dias, é outra dessas providências administrativas. É um instrumento de pressão poderoso, pois o contribuinte inscrito no Cadin terá problemas para renovar o cheque especial e para obter financiamentos e não poderá fornecer para o poder público.