Título: Ajuda para cortar emissões é questionada
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/12/2009, Internacional, p. A25

Brasil poderia cumprir suas metas sem depender dos recursos estrangeiros, avaliam especialistas

Brasil, China e outras economias emergentes devem receber ajuda financeira dos países desenvolvidos para reduzir suas emissões? Ou têm condições - talvez obrigação - de fazer isso com recursos próprios? Esse foi um dos temas que mais movimentaram a primeira semana de negociações na Conferência do Clima de Copenhague. As respostas dividem opiniões de especialistas brasileiros ouvidos pelo Estado.

Para o físico José Goldemberg, da Universidade de São Paulo (USP), o argumento apresentado pelos Estados Unidos e União Europeia - de que os recursos deveriam fluir só para os países mais pobres - "tem uma certa lógica". "A China tem US$ 2 trilhões em reserva; é um país que lança foguetes, que tem submarinos nucleares. Será que precisa mesmo de dinheiro para combater o aquecimento global?", questiona o físico.

O Brasil não tem foguetes nem submarinos nucleares, mas também tem condições de bancar suas ações, segundo ele. "Acho que as grandes economias não precisariam receber dinheiro, a não ser como uma ajuda complementar", diz Goldemberg. Ele ressalta que muitas das ações necessárias para reduzir emissões são de natureza regulatória, que não requerem investimento público. Por exemplo: exigir padrões de maior eficiência energética na indústria. "Temos de fazer o trabalho dentro de casa."

A Convenção do Clima das Nações Unidas determina que os países desenvolvidos têm obrigação de financiar ações de mitigação e adaptação dos países em desenvolvimento aos efeitos das mudanças climáticas. A regra parte do princípio de que as nações industrializadas são as maiores responsáveis pelo acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera e portanto têm maior obrigação de resolver o problema e ajudar o resto do mundo a lidar com ele.

A Convenção foi assinada em 1992, no Rio, e os países foram divididos em grupos chamados Anexo 1 (desenvolvidos, como EUA, Canadá, Rússia, Austrália, Japão e europeus) e não Anexo 1 (em desenvolvimento, que inclui todo o resto do mundo).

O problema é que alguns países, como Brasil, China, Índia, México e África do Sul (agora chamados "emergentes"), cresceram muito economicamente desde então. Tanto que as nações ricas relutam agora em repassar dinheiro para eles. Não só isso, mas querem que eles contribuam também para um eventual fundo global de combate às mudanças climáticas.

"A estrutura da Convenção ficou um pouco congelada nesse mundo de 1992", avalia Roberto Schaeffer, especialista em planejamento energético da Coppe, Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Mas muita coisa mudou de lá para cá."

Antes de cobrar recursos dos países ricos, segundo ele, o Brasil precisa calcular quanto vai custar para cumprir sua meta de reduzir em até 39% a curva de crescimento de suas emissões até 2020. "A discussão depende desse valor", diz Schaeffer. "Se o custo for muito alto e o Brasil não tiver condições de bancar, talvez precise receber recursos. Talvez não."

Para Tasso Azevedo, do Ministério do Meio Ambiente, a ajuda financeira aos países em desenvolvimento é "uma questão de justiça". "Podemos até ter condições de custear a meta, mas é uma conta que deve rachada por todos", diz. Segundo ele, o Brasil se compromete a cumprir sua meta sem recursos externos, "mas poderá fazer isso mais rapidamente" se tiver ajuda de outros países.

Jacques Marcovitch, da USP, especialista em economia do clima, faz um raciocínio semelhante. "A questão agora é de velocidade", diz. "Podemos atingir a meta com recursos próprios? Sim. Mas a que ritmo?" Ele lembra que quanto mais rápido os países emergentes - que já emitem quase tanto carbono quanto os desenvolvidos - reduzirem suas emissões, melhor para o planeta. "São recursos que vão ajudar o Brasil a ajudar o mundo", diz.

Marcovitch destaca que os países emergentes são os mais capacitados para desenvolver tecnologias limpas e transferir esse conhecimento para as nações mais pobres. "A cooperação internacional não pode ser vista só como um fluxo de recursos, em que um dá e o outro recebe. É um caminho para chegar a um objetivo comum, em que todos se beneficiam."