Título: Na calada da noite
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2009, Notas e informações, p. A3

Para variar, foi na calada da noite de quarta-feira passada que, em menos de três minutos, por votos de liderança, foi aprovado na Câmara dos Deputados um pacote de bondades para os funcionários da Casa. Não houve divergência alguma entre partidos ou entre governistas e oposicionistas. Registrou-se apenas o protesto solitário do deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), que disse nem ao menos conhecer o projeto, visto só ter entrado em pauta na última hora. E votou contra.

Uma das justificativas para o reajuste foi o fato de os funcionários da Câmara não terem tido aumento desde janeiro de 2006. Ocorre que nesse período o índice de inflação (IPCA) foi de 17%, enquanto em média os aumentos de salários, agora, foram de 15% para os funcionários concursados, mas de 33% para os não concursados. Na primeira categoria estão 3.300 funcionários e na segunda, 1.300. Também foram beneficiados 2.030 aposentados. Foi instituído um "adicional de especialização" que poderá significar 50% de acréscimo salarial. E é aí que está a mágica deste generoso aumento: terão direito a esse adicional todos os concursados, mesmo que o curso em questão seja obrigatório para o cargo. Por que, então, o "adicional" para remunerar o que já é exigência para se obter o posto? O analista legislativo, por exemplo, para entrar nos quadros do funcionalismo da Câmara dos Deputados precisa ter curso superior. Mas já no início de carreira vai ganhar 15% a mais, em razão de ter curso superior.

A propósito, o projeto estabelece que o primeiro curso superior equivale a 3 pontos e cada ponto acumulado será convertido em 5% de adicional de especialização. É permitido o acúmulo de até 10 pontos e, para pontuar, servem os cursos de especialização feitos na própria Câmara dos Deputados. E o projeto não faz distinção se a especialização foi feita antes ou após a entrada do funcionário no serviço público ? mesmo que esta tenha sido a condição da própria entrada.

Outra aberração é o fato de os aposentados também serem favorecidos com o adicional de especialização, Quer dizer, o cidadão parou de trabalhar, especializa-se e passa a ganhar mais dos cofres públicos pela especialização que obteve, sem que o beneficiário tenha condições objetivas de transformá-la em fator de aperfeiçoamento do serviço público que já não presta. Segundo o primeiro-secretário da Câmara, o aumento foi concedido porque a Casa "está perdendo muitos servidores" para outros setores da Administração Pública por defasagem salarial. Os salários dos consultores legislativos ? considerados a elite da Casa ? passarão de R$ 18,9 mil para cerca de R$ 22 mil. No caso dos funcionários sem concurso o reajuste médio foi de 33% ? o que é sem dúvida brutalmente significativo, especialmente se esse porcentual é cotejado com uma inflação de 5%. O adicional de especialização não é estendido a esse grupo, conhecido como CNE ? Cargo de Natureza Especial. Neste o maior salário subiu de R$ 9,5 mil para R$ 12 mil. De acordo com a direção-geral da Câmara dos Deputados, o reajuste vai significar aumento anual de R$ 400 milhões. Em 2010, o impacto será de R$ 200 milhões, porque o reajuste será concedido a partir de primeiro de julho.

A propósito, o que vem a ser um "cargo de natureza especial"?

Esse é o cargo das pessoas que os parlamentares empregam, sem concurso, para assessorá-los ? todos pagos pelo contribuinte. São, obviamente, cargos ocupados por pessoas da estrita confiança do parlamentar. Esse funcionário pode até fazer muito, ao assessorar o gabinete do parlamentar, a que serve, na pesquisa e elaboração de projetos de lei. Mas também pode cuidar, exclusivamente, do setor político-eleitoral do parlamentar, na condição de permanente cabo eleitoral. Na verdade, em termos mais claros, esses funcionários têm por qualificação não o serviço público que prestam, mas a presteza com que servem, eleitoralmente, a seus "patrões" parlamentares.

Certamente não houve novidade alguma nesse reajuste feito na calada da noite. E o escorchado contribuinte continua tendo que pagar, cada vez mais, por um serviço parlamentar que ele sabe valer cada vez menos.