Título: Ataque contra o poder da beleza
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2009, Internacional, p. A12
A imagem de Silvio Berlusconi está em todos os lugares. Não é muito bonita: lábios abertos, dentes arrancados, nariz quebrado, sangue das pálpebras até o queixo. Essa violência é sentida ainda mais porque os italianos acostumaram a ver o seu chefe, com os seus 73 anos, sempre alegre, bronzeado, uma pele lisa, brilhante, como se esse homem não respirasse o mesmo ar que nós respiramos.
O homem que atingiu Silvio no rosto é um desequilibrado, mas teve uma intuição satânica: ele atingiu o rosto, a aparência de um homem que é só aparência. Essa fisionomia refeita, redesenhada, incansavelmente ressuscitada tem, na estratégia de Berlusconi, um papel crucial. Ela o eleva acima do homem "comum", no império resplandecente da beleza e da juventude indestrutível.
Um pouco antes do ataque, ele elogiava sua própria beleza. Falava como um velho Casanova inquieto, mas, sobretudo, tratava do seu programa político.
"A esquerda quer fazer de mim um monstro, mas não sou um monstro porque sou um homem bonito." Esse é o seu estranho catecismo: "Faço a melhor política porque sou o mais bonito."
O incidente em Milão ocorre no final de um ano que viu o todo-poderoso Berlusconi ser atacado e encurralado. Tudo começou no segundo trimestre deste ano, com as escapadas do premiê italiano. Sua mulher, Veronica Lario, pediu o divórcio, em reação às suas aventuras eróticas com mulheres belas e jovens, em sua propriedade na Sardenha.
Fotografias de personagens completamente nuas inflamaram a internet.
A Corte constitucional aboliu sua imunidade, autorizando a abertura de dois processos por corrupção em Milão. No campo majoritário de Berlusconi, já se começa a temer a "ovelha negra". Seu melhor apoio, Gianfranco Fini, afastou-se dele.
Mas Berlusconi contra-atacou. Seu desejo é demolir a imprensa de oposição. Il Giornale, dirigido por seu irmão Paolo, investe contra o L"Avvenire, órgão da conferencia episcopal italiana, revelando que o seu diretor é um homossexual. O nível do debate caiu muito.
Só faltava a Máfia. E lá estava ela! No início de dezembro, um "arrependido", Gaspare Spatuzza, revelou que a Cosa Nostra tinha firmado um pacto eleitoral com Berlusconi. Spatuzza é um personagem sério. Leva nas costas 40 assassinatos e 6 massacres. Mas, alguns dias depois, um mafioso preso desde 1994, Filippo Graviano, o contradiz. "Berlusconi não tem nada a ver com a Máfia!" Assim, Berlusconi foi salvo por um mafioso na prisão há 18 anos.
Há alguns dias, italianos cansados de ver os partidos de oposição impotentes diante de Berlusconi, convocaram uma manifestação em Roma. Participaram 300 mil pessoas.
E, pela internet, depois da agressão em Milão, a Itália comemora o ocorrido. Os responsáveis políticos, mesmos os oponentes mais acirrados, denunciam o "ato abominável". Normal: foi um ato abominável.
Mas a internet, pelo contrário, não prima pela delicadeza. A cólera transborda. Votos de que ele morra, desprezo, lama.
Mas não significa que esse atentado enfraquecerá Berlusconi. Ele ainda tem a aprovação de 50% dos italianos. Alguns especialistas pensam até que um reflexo de "compaixão" poderá contribuir em favor da fisionomia ensanguentada. Provável. Mas, e depois? E se deixar de ser bonito? E se o rei ficar nu?