Título: Hora de enquadrar os bancos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2010, Notas e informações, p. A3

Em dois anos os bancos serão forçados a andar na linha, ou pelo menos a operar com mais disciplina e mais cuidado, se os governos forem capazes de implantar a reforma proposta pelo Fórum de Estabilidade Financeira. O desafio político é grande e os dirigentes de grandes instituições internacionais já mostraram com muita clareza a disposição de resistir às mudanças. Se vencerem, continuará elevado o risco de novas bolhas de crédito e novos desastres, cada vez mais amplos e custosos tanto para os governos quanto para as pessoas comuns. São estas, em geral, as maiores vítimas da grande jogatina financeira, uma das marcas mais negativas da economia globalizada. Mas pelo menos o roteiro da nova regulação está desenhado em linhas gerais e pronto para ser apresentado aos governantes. O Fórum, formado pelos presidentes de bancos centrais (BCs) do Grupo dos 20, aprovou as bases da nova política numa reunião na cidade suíça de Basileia, sede do Banco de Compensações Internacionais (BIS).

Enquanto os presidentes de BCs discutiam a reforma do sistema, dirigentes de grandes grupos financeiros preparavam-se cuidadosamente para anunciar os novos pacotes de bonificação aos funcionários de alto nível. A preparação, desta vez, é especialmente necessária, por causa da reação previsível de muitos políticos e de setores importantes da opinião pública. Executivos das grandes instituições foram estimulados com prêmios, durante anos, a gerar grandes lucros a curto prazo e sem levar em conta a segurança. Isso produziu uma enorme bolha financeira, em grande parte alimentada pela especulação imobiliária nos EUA e em vários países da Europa. Quando a bolha estourou e os bancos começaram a quebrar, milhões de famílias viram seu dinheiro virar pó e a crise se espalhou pelo mundo.

Muitos bancos quebraram, mas outros, em geral muito grandes, foram salvos graças à ajuda oficial, com enormes volumes de dinheiro dos contribuintes americanos e europeus. Alguns desses bancos voltaram a ser lucrativos e devolveram ao Tesouro americano a ajuda recebida. Na Europa, governos continuam carregando o peso de bancos estatizados na fase mais dramática da crise.

Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama, pressionado para tratar os bancos severamente, estuda a possibilidade de um imposto sobre o setor financeiro. Esse novo tributo poderá ser incluído na proposta do próximo orçamento, que será encaminhada ao Congresso em fevereiro.

Essa taxação poderá contribuir para a recuperação das contas federais, hoje muito desajustadas por causa da retração dos negócios e do aumento do desemprego e também dos incentivos fiscais adotados contra a recessão. O governo terá de fazer um grande esforço para reduzir o peso da dívida pública nos próximos dez anos.

O imposto, se for criado, poderá servir também como satisfação a uma opinião pública ressentida contra os banqueiros. Mas, embora a revolta seja compreensível, nenhum problema prático será resolvido com reações emocionais.

Para diminuir o risco de novas bolhas e novas aventuras desastrosas, governos de todo o mundo terão de impor ao setor financeiro uma disciplina muito mais severa do que a que está em vigor. O novo esquema proposto pelo Fórum de Estabilidade Financeira inclui padrões mais estritos de informação sobre o risco das operações, a formação de maiores colchões de capital e de liquidez e limites mais severos para as operações de financiamento, considerando-se como referência um dado volume de recursos próprios.

Os padrões de segurança adotados no Brasil e aperfeiçoados a partir dos anos 90 já atendem a boa parte dos critérios definidos pelo Fórum. Até o fim de 2010 o País poderá incorporar as medidas ainda não adotadas, disse o presidente do BC do Brasil, Henrique Meirelles. Ele acaba de ser eleito para o Conselho Diretor do BIS. Antes disso, apenas um país emergente, a China, tinha representante nesse conselho, formado por 13 autoridades monetárias.

Com a recuperação da economia mundial, fica politicamente mais difícil impor uma disciplina mais severa aos bancos, especialmente nos Estados Unidos, onde a regulamentação tem sido frouxa demais. Isso seria menos importante, se a falha de regulamentação em qualquer grande país não fosse uma ameaça para todo o mundo.