Título: Reerguer país é tarefa inédita para a ONU
Autor: Carranca, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/01/2010, Internacional, p. A18

Para especialistas, missão de reconstruir o Haiti não tem paralelo na comunidade internacional

Adriana Carranca

Com a chegada dos reforços militares, Para especialistas, missão de reconstruir o Haiti não tem paralelo na comunidade internacional

Com a chegada dos reforços militares, da água, comida e médicos ao Haiti, a pergunta é: como avançar a partir de agora? Por onde começar a reconstruir uma nação resumida a pó e escombros? O futuro do país caribenho se configura como o maior desafio dos haitianos e um teste definitivo à capacidade da ONU e dos países ricos de reerguer Estados falidos.

Desde a 2ª Guerra, o conceito ainda novo de "state building" (reconstrução de um Estado pela comunidade internacional, em geral após conflitos armados) se deu em países como Timor Leste, Bósnia, Kosovo e, recentemente, Iraque e Afeganistão ? em nenhum deles, porém, foi bem-sucedida, embora ainda existisse vestígios do Estado nestes locais. Já o Haiti, como nação, organizada politicamente, com um Estado soberano e instituições autônomas, acabou. No lugar da antes instabilidade, não sobrou um mínimo de infraestrutura básica.

A situação é tão dramática que os analistas se dividem entre os que não querem falar em reconstrução "porque não se pode reconstruir aquilo que já não existia" ? como afirma o cientista político Eduardo Nunes, diretor para América Latina e Caribe da organização internacional Visão Mundial ? e os céticos, capitaneados pelo economista americano e colunista do jornal The New York Times Tyler Cowen, que assegura: "O Haiti acabou."

Ao Estado, Cowen sugeriu um consórcio de países para receber os 3,2 milhões de haitianos de Porto Príncipe como imigrantes. Mais ou menos na linha do que sugere a expressão "o último que ficar apaga a luz". Exceto pelo fato de que no Haiti não há luz ? a rede de energia, antes precária, foi destruída ? e o único aeroporto funcional opera emergencialmente sob comando das Forças Armadas americanas.

"O presidente sobreviveu, mas o Estado não existe mais", diz Tyler. Analistas menos radicais têm trabalhado com a perspectiva de êxodo de 400 mil haitianos de Porto Príncipe para regiões menos afetadas. O problema é que estas também não dispõem de infraestrutura. Teme-se que, no longo prazo, essas áreas se tornem campos de refugiados permanentes. Cinco anos após o furacão Katrina, milhares ainda não puderam voltar para casa em Nova Orleans. E isso nos EUA.

No Haiti, as agências humanitárias podem ajudar a criar a infraestrutura descentralizada. Usualmente, porém, elas trabalham no apoio, com recursos financeiros e humanos, às instituições locais. Num Haiti onde até o palácio presidencial foi ao chão, elas inexistem. Retomá-las deve ser o primeiro passo, sugere a antropóloga Erica James, do Departamento de Estudos Urbanos e Planejamento do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Mas, a coordenação é fator-chave, "porque você tem um número enorme de organizações, com capacidades variadas que tendem a bater cabeça".

Essa coordenação é feita pela ONU e o governo local. O problema é que, no caso do Haiti, ambos foram vítimas da tragédia. "A ONU ainda é a única capaz de assumir essa função. O Estado é legítimo, mas ainda não tem capacidade. E sem controle mínimo sobre o território nenhuma política será efetiva", diz Nunes.

"No longo prazo, percebe-se que ser vítima é a melhor forma de ter comida e remédios. E isso é fatal para a produtividade", diz Erica. Ela alerta, ainda, para os efeitos do stress pós-traumático. "Diante de necessidades tão urgentes, parece menor, mas seu efeito é devastador na habilidade das pessoas de voltarem a ser produtivas." Érica sugere o envolvimento da elite expatriada. "A diáspora em Montreal, no Canadá, soma mais haitianos do que em todo o Haiti, é um capital humano que não se deve desprezar."

Com experiência em tragédias como o tsunami que matou 280 mil na Ásia, em 2004, Eduardo Nunes, da Visão Mundial, sugere três frentes: o controle do Estado, a reorganização de organizações civis, e alternativas econômicas. "Em Aceh (Indonésia), no lugar da agricultura destruída pela água, criamos galinhas. O Haiti terá de redescobrir sua vocação. Investidores estrangeiros podem ajudar com instalação de indústrias "maquiladoras", como na fronteira do México, capazes de absorver rapidamente grande parte da mão de obra", diz. "Soluções existem, mas terão de ser testadas no Haiti, onde a dimensão do caos não tem precedentes."

da água, comida e médicos ao Haiti, a pergunta é: como avançar a partir de agora? Por onde começar a reconstruir uma nação resumida a pó e escombros? O futuro do país caribenho se configura como o maior desafio dos haitianos e um teste definitivo à capacidade da ONU e dos países ricos de reerguer Estados falidos.

Desde a 2ª Guerra, o conceito ainda novo de "state building" (reconstrução de um Estado pela comunidade internacional, em geral após conflitos armados) se deu em países como Timor Leste, Bósnia, Kosovo e, recentemente, Iraque e Afeganistão ? em nenhum deles, porém, foi bem-sucedida, embora ainda existisse vestígios do Estado nestes locais. Já o Haiti, como nação, organizada politicamente, com um Estado soberano e instituições autônomas, acabou. No lugar da antes instabilidade, não sobrou um mínimo de infraestrutura básica.

A situação é tão dramática que os analistas se dividem entre os que não querem falar em reconstrução "porque não se pode reconstruir aquilo que já não existia" ? como afirma o cientista político Eduardo Nunes, diretor para América Latina e Caribe da organização internacional Visão Mundial ? e os céticos, capitaneados pelo economista americano e colunista do jornal The New York Times Tyler Cowen, que assegura: "O Haiti acabou."

Ao Estado, Cowen sugeriu um consórcio de países para receber os 3,2 milhões de haitianos de Porto Príncipe como imigrantes. Mais ou menos na linha do que sugere a expressão "o último que ficar apaga a luz". Exceto pelo fato de que no Haiti não há luz ? a rede de energia, antes precária, foi destruída ? e o único aeroporto funcional opera emergencialmente sob comando das Forças Armadas americanas.

"O presidente sobreviveu, mas o Estado não existe mais", diz Tyler. Analistas menos radicais têm trabalhado com a perspectiva de êxodo de 400 mil haitianos de Porto Príncipe para regiões menos afetadas. O problema é que estas também não dispõem de infraestrutura. Teme-se que, no longo prazo, essas áreas se tornem campos de refugiados permanentes. Cinco anos após o furacão Katrina, milhares ainda não puderam voltar para casa em Nova Orleans. E isso nos EUA.

No Haiti, as agências humanitárias podem ajudar a criar a infraestrutura descentralizada. Usualmente, porém, elas trabalham no apoio, com recursos financeiros e humanos, às instituições locais. Num Haiti onde até o palácio presidencial foi ao chão, elas inexistem. Retomá-las deve ser o primeiro passo, sugere a antropóloga Erica James, do Departamento de Estudos Urbanos e Planejamento do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Mas, a coordenação é fator-chave, "porque você tem um número enorme de organizações, com capacidades variadas que tendem a bater cabeça".

Essa coordenação é feita pela ONU e o governo local. O problema é que, no caso do Haiti, ambos foram vítimas da tragédia. "A ONU ainda é a única capaz de assumir essa função. O Estado é legítimo, mas ainda não tem capacidade. E sem controle mínimo sobre o território nenhuma política será efetiva", diz Nunes.

"No longo prazo, percebe-se que ser vítima é a melhor forma de ter comida e remédios. E isso é fatal para a produtividade", diz Erica. Ela alerta, ainda, para os efeitos do stress pós-traumático. "Diante de necessidades tão urgentes, parece menor, mas seu efeito é devastador na habilidade das pessoas de voltarem a ser produtivas." Érica sugere o envolvimento da elite expatriada. "A diáspora em Montreal, no Canadá, soma mais haitianos do que em todo o Haiti, é um capital humano que não se deve desprezar."

Com experiência em tragédias como o tsunami que matou 280 mil na Ásia, em 2004, Eduardo Nunes, da Visão Mundial, sugere três frentes: o controle do Estado, a reorganização de organizações civis, e alternativas econômicas. "Em Aceh (Indonésia), no lugar da agricultura destruída pela água, criamos galinhas. O Haiti terá de redescobrir sua vocação. Investidores estrangeiros podem ajudar com instalação de indústrias "maquiladoras", como na fronteira do México, capazes de absorver rapidamente grande parte da mão de obra", diz. "Soluções existem, mas terão de ser testadas no Haiti, onde a dimensão do caos não tem precedentes."