Título: Chilenos estão desencantados com a política
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2010, Internacional, p. A13
Propaganda eleitoral é escassa e menos de 25% dos jovens estão inscritos para votar
A estudante universitária Paula Morales, de 19 anos, saiu logo cedo para votar no centro de Santiago pelo candidato da direita chilena, Sebastián Piñera, mas confessa que a maior parte de seus amigos preferiu passar o domingo descansando ou passeando. "Aqui muitos jovens já estão desencantados com a política", diz Paula. "Eles têm a impressão de que votar não importa ? nada muda."
Menos de 25% dos jovens chilenos entre 18 e 29 anos estão inscritos para votar. E mesmo entre a população, em geral, essa taxa é relativamente baixa. Dos 12 milhões de chilenos, por volta de 7 milhões votam.
O fervor político não é definitivamente uma característica das eleições no Chile ? mesmo em eleições tão disputadas como essas, e diante da possibilidade, concretizada, de uma vitória da direita após 20 anos de hegemonia da coalizão de centro esquerda Concertação. A propaganda eleitoral é escassa nas ruas se comparada a outros países latino-americanos.
Nas últimas semanas, com excessão de ontem, os jornais locais trouxeram duas ou três páginas sobre a disputa eleitoral ? menos que o reservado para a resenha dos espetáculos em cartaz. E nas filas para votar, nenhum eleitor vestia a camiseta do seu partido ou usava o broche de seu candidato. A lei proíbe ? e aqui, ao contrário que em muitos países latino-americanos, as pessoas cumprem a lei.
Tanto que nos últimos dias abriu-se uma polêmica em torno de declarações feitas pela presidente Michelle Bachelet a favor do candidato governista, Eduardo Frei. Bachellet disse que votaria em Frei porque ele é "honesto" e horas depois as TVs do país divulgavam denúncias da direita e análises de especialistas segundo as quais tais declarações configuravam uma "interferência indevida" na campanha. A diferença é gritante em relação a países como a Venezuela ou a Argentina, onde os funcionários públicos às vezes montam até o palanque dos candidatos governistas.
Segundo analistas, a relativa "apatia" política reflete um dado positivo e outro negativo sobre a democracia chilena. "O negativo é que o engessado sistema político do país, moldado no regime de Augusto Pinochet (1973-1990), não está conseguindo se renovar e incluir novas aspirações e demandas da população", diz o cientista político Guillermo Holzmann, da Universidade do Chile. Ele explica que,por causa de um sistema de votação em listas, por exemplo, para conseguir se eleger deputado quase sempre é preciso estar vinculado a uma das duas grandes coalizões ? esquerda ou direita. Resultado: não surgem novas bandeiras na arena política.
O dado positivo está relacionado ao consenso que já existe no Chile a respeito do modelo de desenvolvimento que o país deve seguir. "Faz tempo que não está mais em disputa nas urnas qual modelo de economia e de sociedade o Chile deve adotar, como em outros países da América Latina", diz o cientista político Bernardo Navarrete, da Universidade de Santiago, explicando que as propostas da direita e da esquerda chilena são muito parecidas.