Título: As reivindicações do MP
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2010, Notas e informações, p. A3

Ao falar na solenidade de abertura das atividades anuais do Judiciário, realizada no Supremo Tribunal Federal (STF) nessa segunda-feira, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, aproveitou a presença dos presidentes da Câmara, do Senado e da República para voltar a defender duas antigas reivindicações de sua categoria.

O primeiro pleito é a permissão para que os promotores e procuradores possam realizar investigações, especialmente nos casos que envolvem delitos cometidos por criminosos dos "estratos mais altos da sociedade", como malversação de recursos públicos, sonegação fiscal, evasão de divisas e corrupção. O segundo é de ordem econômica. O procurador-geral da República quer mais recursos para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ? órgão idêntico ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado pela Emenda Constitucional nº 45 para promover o controle externo da instituição.

Das duas pretensões, só a última é razoável. Embora tenha as mesmas atribuições do CNJ, o CNMP não dispõe de suficientes recursos financeiros e humanos. Ele tem um orçamento de apenas R$ 10 milhões anuais e somente 3 cargos em comissão, ante os R$ 122 milhões do CNJ, que tem 81 cargos em sua estrutura. Por causa dessas disparidades, disse Gurgel, o CNMP tem dificuldades para fazer inspeções nos MPs estaduais com a mesma frequência das que têm sido realizadas pelo CNJ.

No ano passado, a corregedoria do CNMP abriu 375 processos ? cerca de 23% a mais que em 2008. A maioria é relativa a problemas disciplinares e faltas funcionais, como atrasos na análise de inquéritos e abuso de prerrogativas. Para os dirigentes do CNMP, não faz sentido o Judiciário poder gastar até 6% de seu orçamento com pessoal, enquanto o limite do MP é de apenas 2%. Isso provoca um descompasso entre o número de juízes e o de promotores, afirma o procurador-geral da República. Como esse limite foi imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a equiparação pleiteada pela corporação tem de passar pelo Congresso, o que explica por que Gurgel aproveitou a solenidade de abertura do Ano Judicial para tentar sensibilizar os dirigentes do Legislativo.

Já a primeira reivindicação envolve uma antiga rivalidade do MP com a Polícia Federal (PF), sobre quem detém a prerrogativa de conduzir investigações. As corporações policiais alegam que a Constituição lhes dá a exclusividade de produzir provas, atribuindo a promotores e procuradores a tarefa de propor a abertura da ação penal. Para Gurgel, contudo, se o MP não tiver poder investigativo, ele se torna uma "instituição capenga". Como os crimes de corrupção são cada vez mais sofisticados, diz ele, a PF e o MP deveriam agir de modo complementar, para não pôr em risco "o sucesso da ação penal".

Além de seus aspectos corporativos, a disputa tem implicações políticas e caberá ao STF dirimi-las. O caso chegou à Corte por meio de um habeas corpus pedido por Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, que é réu no caso do assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel, ocorrido em 2002. Seus advogados alegam que, após a Polícia ter concluído que foi crime comum, promotores refizeram as investigações, buscando demonstrar que se tratou de crime político, com o envolvimento do réu num esquema de corrupção da Prefeitura. Com o recurso, Sombra quer desqualificar a segunda acusação, cuja pena é mais severa do que a de crime comum.

O caso foi lembrado por Gurgel. "Negar ao Ministério Público a possibilidade de promover investigações, extraordinariamente, será incapacitar não a instituição, mas a sociedade para o exercício pleno do direito à efetividade da tutela penal", afirmou. O problema dessa pretensão é que, se for acolhida pelo STF, ela dará ao MP uma força institucional que o Executivo, o Legislativo e a Justiça não têm, comprometendo o princípio do equilíbrio dos Poderes.

Portanto, se está certo quando pede mais recursos para o CNMP, o procurador-geral da República parece não estar com a razão quando reivindica mais prerrogativas para sua corporação. Beneficiado pela Constituição de 88, o MP cresceu demais nos últimos anos, mas ainda não conseguiu definir com clareza os limites de sua atuação.