Título: General diz que homossexual não comanda
Autor: Costa, Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2010, Vida&, p. A20

Cerqueira Filho fez declaração em sabatina para tribunal militar

As declarações do general de exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho - que afirmou em uma comissão no Senado que os homossexuais só deveriam ser aceitos pelas Forças Armadas "se mantivessem a opção sexual em segredo" - provocaram reações de diversos setores. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) apresentou ontem requerimento em que pede que as declarações sejam esclarecidas. ONGs de defesa dos direitos dos homossexuais se posicionaram e até o ministro da Defesa, Nelson Jobim, entrou em cena.

Para Cerqueira Filho, "o indivíduo (homossexual) não consegue comandar" e não seria obedecido pela tropa. A declaração ocorreu durante sabatina feita pelos senadores na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que aprovou sua nomeação para o cargo de ministro do Superior Tribunal Militar (STM). O almirante de esquadra Álvaro Luiz Pinto, também presente, disse que não tem nada contra, mas impôs condicionantes no sentido de que o homossexual "mantenha a dignidade da farda, do cargo, do trabalho que executa".

Suplicy pediu aos colegas que só examinem no plenário a indicação dos dois para o STM após eles "esclarecerem" as declarações. "Considerando que se pode inferir um viés discriminatório nas declarações de ambos os oficiais, entendo que tal atitude poderá influir nas decisões futuras que eles terão que tomar como ministros do STM", alegou. "Como os ministros não podem pautar suas posições em flagrante desacordo com o texto constitucional, entendo que não devemos votar matéria dessa natureza sem os devidos esclarecimentos."

O senador lembrou que o Código Penal Militar, que considera crime a homossexualidade, não tem mais aplicação "em função da vigência da atual Constituição, que veda discriminações de qualquer natureza".

FALTA COMPETÊNCIA

Ontem, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou que as declarações do general Cerqueira Filho não influenciarão o debate sobre o tema, já que o STM não tem competência para tratar do assunto. Segundo ele, o tema "homossexualidade" já está sendo discutido no ministério.

Jobim declarou que os debates em torno da homossexualidade dentro das Forças Armadas não ocorrem apenas dentro do Brasil, mas também em outros países, como os Estados Unidos. "Lá, há a política do don"t ask, don"t tell (não pergunte, não conte)", afirmou.

O ex-sargento do Exército Fernando de Alcântara de Figueiredo, que em 2008 tornou público o relacionamento com o também sargento Laci Araújo, disse que a posição do general comprova a existência de homofobia nas Forças Armadas.

Para Figueiredo, as declarações de Cerqueira Filho devem ajudar militares vítimas de preconceito e perseguição por causa de sua orientação sexual.

"Demonstra tudo o que falamos, que as Forças Armadas funcionam sob a ótica do desrespeito à dignidade das pessoas, prepotência e arrogância", disse Figueiredo, que chegou a ser preso após ter assumido o relacionamento.

O Grupo Gay da Bahia decidiu enviar carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo o veto à indicação de Cerqueira Filho. E promete protestos caso ele chegue ao tribunal. "A valentia e a capacidade de comando independem da orientação sexual, vide o exemplo de Alexandre Magno", declarou Luiz Mott, fundador do grupo, em referência ao rei da Macedônia, que liderou um exército com milhares de homens e mantinhas relações sexuais com homens e mulheres.

"A declaração destaca a posição homofóbica das Forças Armadas e o desqualifica para o cargo", opinou Maria Berenice Dias, advogada especializada em direitos homoafetivos.

COLABOROU FABIANE LEITE