Título: Cruz Vermelha e Jobim divergem sobre corpos
Autor: Dantas, Pedro ; Auler, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2010, Internacional, p. A15

Para ministro, cadáveres transmitem epidemia, organismo humanitário diz que não é verdade

O Ministério da Defesa brasileiro contradisse ontem uma das principais orientações dadas pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) no manejo de cadáveres das vítimas do terremoto em Porto Príncipe ao dizer que as vítimas devem ser enterradas com urgência. A organização humanitária teme que um procedimento apressado possa impedir definitivamente a identificação dos mortos e ressalta que os cadáveres de pessoas sãs não transmitem doenças.

"Há uma grande preocupação com a existência de corpos abandonados nas ruas, o que pode provocar epidemias", diz a nota distribuída pelo Ministério da Defesa.

"Há um mito disseminado de que os cadáveres podem ser a causa de epidemias em desastres naturais. Não é esse o caso", afirmou Ute Hofmeister, legista do CICV em Genebra, em comunicado distribuído pela organização na manhã de ontem. "Os corpos dos que morreram em desastres não espalham doenças, desde que as pessoas tenham morrido de trauma. O enterro em valas coletivas ou a cremação dos cadáveres deve ser evitado a todo custo, pois isso torna impossível a identificação pelas famílias", disse Hofmeister.

As declarações de Jobim refletiam a preocupação e a pressa em dar solução imediata às carências dos haitianos: "Não podemos esperar. Se há problemas, temos de passar por cima deles", disse.

Para aproximar as duas abordagens, a delegação do CICV no Brasil enviou ao Ministério da Defesa um manual que detalha os cuidados que devem ser tomados no manejo de corpos e em situações de desastre natural e conflitos armados.

A organização diz que, caso não haja estrutura adequada para identificar e refrigerar os corpos, eles devem ser enterrados em locais provisórios sinalizados para facilitar exames de arcada dentária e de DNA, além de reconhecimento por fotos, tão logo seja possível.

Após o tsunami no Sudoeste asiático, em 2005, o governo da Tailândia, uma países em desenvolvimento, mas com nível de renda semelhante ao Brasil -e muito distante do Haiti -, organizou centros de reconhecimento de vítimas.

Os corpos ficavam em sacos ou caminhões refrigerados e centenas de legistas voluntários, de diversos países, deslocaram-se para ajudar na identificação. Naquela ocasião, no entanto, havia muitos europeus e norte-americanos entre as vítimas, o que também ajudou a mobilizar a ajuda das nações mais ricas. Estudos apontam que velar e garantir um funeral adequados às vítimas auxilia na recuperação psicológica das famílias.

Agora, em Porto Príncipe, as atenções também estão voltadas para os sobreviventes. O programa de alimentação das Nações Unidas enviou biscoitos energéticos e pastas ricas em nutrientes acondicionadas em tubos, além de baldes para o transporte de água limpa.

Em nota, a agência das Nações Unidas destacou que 86 toneladas de alimentos, entre eles os biscoitos HEB, sigla para biscoitos altamente energéticos, que contêm vitaminas e sais minerais e podem ser facilmente transportados.

A organização estima que pelo menos 3 milhões vítimas do terremoto necessitem de alimentos no Haiti. Antes do terremoto, 1,9 milhão estavam em estágio de insegurança alimentar apenas 50% tinham acesso à água potável.

A organização francesa Médicos Sem Fronteiras (MSF) mantém de prontidão em seus escritórios kits cirúrgicos, suficientes para cem cirurgias cada, e hospitais infláveis que podem abrigar até cem leitos. Sete dessas já tinham sido despachadas ao Haiti ontem. "Mantemos tudo estocado em várias partes do mundo", explica a diretora geral da ONG no Brasil, Simone Rocha. No total, 25 toneladas de material já seguiram para o país.