Título: Em meio ao caos, país começa a contar os mortos e fechar feridas
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2010, Internacional, p. A14

Situação nas ruas de Porto Príncipe é precária e estimativa de mortos ainda varia entre 30 mil e 100 mil

Falta água, a gasolina está acabando, o acesso à comida é difícil e os esforços de países do mundo inteiro parecem ser insuficientes para reduzir a crise que afeta o Haiti depois do terremoto de terça-feira. As ruas de Porto Príncipe estão repletas de moradores desabrigados e famintos. As pessoas estão desesperadas e todas têm uma história para contar sobre o momento em que a terra começou a tremer.

Muitos haitianos escavam freneticamente, apenas com as mãos, entre os escombros em busca de parentes e amigos. Falta equipamento pesado para ajudar a retirar as vigas e os blocos de concreto. A estimativa de mortos varia. Alguns falam em pelo menos 30 mil, outros em mais de cem mil. A Cruz Vermelha estima em 40 mil ou 50 mil os mortos. Os corpos estão por todas as partes na capital, envoltos em lençóis ou lonas.

Temendo novos terremotos, os sobreviventes se agrupam em praças. Entre eles há muitas crianças feridas, órfãs ou perdidas. Sem nada para comer, muitos haitianos retiram alimentos entre as ruínas dos mercados que desmoronaram. Aviões com ajuda humanitária começam a chegar, mas a distribuição é lenta. Doações dos EUA e quatro instituições internacionais já somam US$ 500 milhões.

No momento, autoridades brasileiras e da ONU apenas tentam ajudar na busca por possíveis sobreviventes. Os hospitais, afetados pelo terremoto, não conseguem mais receber feridos. Um dos problemas agora é verificar como as pessoas podem ser tratadas. Muitos feridos estão sendo enviados de helicóptero para a vizinha República Dominicana ou estão sendo atendidos no hospital improvisado da base militar brasileira.

Centenas de corpos estão empilhados diante do Hospital Geral de Porto Príncipe e a toda hora caminhonetes trazem mais mortos. Eliana Nicolini, uma brasileira que trabalha no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), disse que a prioridade agora será encontrar uma solução para os corpos. A maior parte já foi recolhida pelos militares da Missão da ONU para a Estabilização do Haiti (Minustah) e por agências humanitárias. Mas milhares continuam soterrados. O presidente haitiano, René Préval, disse ontem a repórteres no aeroporto da capital que 7 mil corpos já foram enterrados em valas comuns.

Muitos dos colegas de Nicolini na ONU morreram no desabamento dos dois hotéis que serviam de quartel-general da organização. Nicolini, que morava no Hotel Montana, sobreviveu por estar em um outro lugar no momento do tremor. "Mas achei que meus dois filhos tivessem morrido no desabamento", relatou a funcionária da ONU, que trabalha no Haiti há quatro anos. Por sorte, apareceu o engenheiro brasileiro Jorge Ribeiro, da construtora OAS. Já havia anoitecido e ele seguiu com uma lanterna para procurar os dois jovens. Alguns minutos mais tarde, os encontrou a salvo em uma clareira.

Os haitianos reúnem-se para tentar relatar seus problemas e pedir ajuda. Dezenas aglomeram-se na entrada do aeroporto e da principal base das forças de paz da ONU. Chegar à fronteira com a República Dominicana tornou-se complicado, pois estradas estão bloqueadas com destroços. O terminal de combustível foi destruído e nos raros postos intactos, há filas de centenas de pessoas tentando conseguir gasolina para seus carros, a um preço três vezes maior que antes do tremor.

Os aviões também têm dificuldade para pousar e decolar, pois a torre de controle não funciona. Aviões dos EUA, Bélgica e França estavam na pista. Um cargueiro da Força Aérea Brasileira também , além de pequenos aviões fretados que traziam jornalistas e voluntários. Voos foram suspensos, pois não cabiam mais aviões no aeroporto. Os únicos hotéis que não ruíram estão lotados. Os jornalistas brasileiros foram obrigados a buscar refúgio em uma das bases militares em Porto Príncipe. O acesso à internet é inconstante e apenas telefones por satélites funcionam bem.