Título: Sobe para 14 número de militares mortos; 4 estão desaparecidos
Autor: Rangel, Rodrigo ; Mendes, Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2010, Internacional, p. A18

Falta de notícias alimenta a angústia e a esperança dos parentes que acompanham as buscas no Brasil

Damaris Giuliana, Eduardo Kattah, Vannildo Mendes, Pedro Dantas, Talita Figueiredo e João Carlos de Faria

Entusiasta da missão de paz no Haiti

A família do coronel Emílio Carlos Torres dos Santos, de 46 anos, aguarda a chegada de seu corpo. Eles foram informados que a autópsia será realizada provavelmente no Rio, pois não há condições de fazer esse trabalho no Haiti. Os corpos estão no hospital de campanha argentino.

"A mulher dele ficou em choque, mas já está lúcida e tranquila. Ela sempre apoiou o marido em sua carreira, apesar das adversidades e ausências", disse o coronel e professor de Direitos Humanos, Stênio Ribeiro, amigo de Emílio havia 20 anos.

A vítima deixou duas filhas, de 11 e 7 anos. Até semana passada, o coronel estava com a família em uma pousada na região dos Lagos, no Rio. Ele voltaria ao Brasil em maio para reassumir o cargo de assessor do Exército no Congresso Nacional.

Emílio era especialista em saltos livres, mergulho e montanhismo. Tinha vários cursos de forças especiais no Brasil e no exterior. Amigos dizem que o coronel era um entusiasta da missão de paz no Haiti. "Era a segunda vez que ele ia ao país. Percebíamos a satisfação dele ao falar sobre a missão. O Haiti foi o encontro do seu espírito de liderança nato com a oportunidade de aderir a uma causa de ajuda humanitária", revelou o amigo Ribeiro.

"Ele estava contando os minutos"

Sem notícias, a família do segundo-sargento Leonardo de Castro Carvalho, de 29 anos, está chocada. A mãe, Leandra de Castro Carvalho, reclamou da falta de informações no 5º Batalhão de Infantaria em Lorena, em São Paulo, onde o filho servia. "A maior angústia é esperar pelo corpo, que a gente não sabe quando vai chegar." O corpo do militar será enterrado em São João Del-Rei, em Minas.

Ele namorava havia 4 anos e fazia planos para o casamento. No dia 8, conversou pela última vez com a mãe. "Era a última ronda dele", contou. "Ele não via a hora (de voltar para casa), estava contando os minutos. Na verdade, eu queria que ele estivesse aqui, não voltando desse jeito", lamentou a mãe.

"Ele me disse que fez tudo que podia para ajudar as pessoas lá. Só ficava triste por causa da pobreza, muito abalado com as coisas que via", contou. "Eu tenho muito orgulho, sempre tive. Ele era uma pessoa muito honesta, muito responsável, gostava muito do Exército", contou Leandra.

"Será difícil esquecer a morte dele"

Outros dois soldados do 5º Batalhão de Infantaria Leve, de Lorena, em São Paulo, foram confirmados como mortos ontem - Rodrigo Augusto da Silva, de 23 anos, e Felipe Gonçalves Julio, de 22. A principal preocupação das famílias é com a chegada dos corpos, para homenageá-los e sepultá-los.

"Estamos muito ansiosos, aguardando a chegada dele", disse Pedro Augusto da Silva, pai de Rodrigo, morador de Cachoeira Paulista. "Ele gostava muito do que fazia. Vai ser difícil esquecer a morte dele", lamentou Pedro.

"Meus pais, principalmente minha mãe, estão muito chocados", contou Fábio, irmão de Felipe, que embarcaria para o Brasil no sábado. "Todos o aguardavam com muita saudade", afirmou. A prefeitura de Lorena decretou luto de três dias.

Mulher viu militar sumir da tela

O corpo do subtenente Raniel Batista de Camargos, de 43 anos, será enterrado em Patos de Minas, no centro-oeste mineiro, sua cidade natal. Abalados, parentes evitavam dar entrevistas, mas o pai disse a uma TV local suspeitar que ele tenha sido atingido pelo terremoto no momento em que acompanhava, pela internet, o aniversário da filha Giovana, que completou 6 anos, no dia 12. A mulher do militar, Heloísa Chagas Maia Camargos, e os dois filhos, que passavam férias em Natal, chegaram ontem à cidade.

"Na hora em que eles estavam conversando, deu uma espécie de estouro e ela (Heloísa) pensou que era a linha que tinha caído", disse Geraldo Andrade Camargos, de 80 anos. Irmão da vítima, o empresário Samuel Batista de Camargo lembrou que o próprio Raniel pediu para ir ao Haiti. Ele servia no 37º Batalhão de Infantaria Leve, em Lins (SP), e sua volta estava prevista para o dia 28. "Era uma missão de paz e ele morreu fazendo o que queria."

No Rio, pais sob efeito de sedativos

Um dos mortos no terremoto é o terceiro sargento Rodrigo de Souza Lima, natural de Piraí, cidade do Sul Fluminense. Aos 23 anos, ele havia embarcado seis meses atrás para o Haiti. Lotado no 5º Batalhão de Infantaria Leve em Lorena (SP), voltaria no sábado.

A ida para o Haiti deixou sua mãe, Maria Aparecida Lima, apreensiva. "Esse é o trabalho que ele escolheu e estamos felizes por ele, pela oportunidade que isso representa para sua carreira militar e experiência de vida. A única questão é a saudade que já começa a apertar nosso peito", disse ela, na época, ao site da prefeitura.

Ontem, parentes de Lima não quiseram dar entrevistas por estar muito abalados. Os pais dele estão sob efeitos de sedativos. O prefeito de Piraí, Arthur Henrique Gonçalves Ferreira, o Tutuca, decretou luto oficial de três dias pela morte do 3º sargento. "É um fato lamentável que abalou todos nós", disse.

Filha sofre com falta de notícias

"Um misto de esperança e angústia, agravada pela falta de informações." Assim a estudante Kamile Zanin, de 18 anos, definiu o sentimento de sua família em relação ao desaparecimento de seu pai, o coronel João Eliseu Souza Zanin. Ele estava em companhia de três outros oficiais, na sede da missão de paz da ONU, quando o prédio ruiu.

Os quatro estão desaparecidos. Por meio de nota, a mulher do militar, Cely Zanin, pediu "a todos os brasileiros" que rezem pelo seu marido e pelos seus colegas - o tenente-coronel Marcus Vinicius Macedo Cysneiros e os majores Francisco Adolfo Vianna Martins Filho e Márcio Guimarães Martins. "A dor é grande; a angústia, sem fim."

Ontem à tarde, o Exército enviou um capelão do Colégio Militar e um oficial à residência de Zanin, na Asa Norte de Brasília. Lá estavam a mulher e a sogra do coronel, além do casal de filhos. "Vim trazer ajuda espiritual à família nesse momento de incerteza e dor", explicou o capelão Alexandre Santos.

Chefe da inteligência desaparece

O major artilheiro Márcio Guimarães Martins também está desaparecido. Promovido em dezembro, ele trabalhava na Brigada Paraquedista, no Rio, e chegou ao Haiti dois dias antes do terremoto para assumir a função de chefe da Inteligência do Batalhão.

Martins, de 35 anos, é casado e tem um bebê. Na lembrança de um amigo militar permanece "uma pessoa excepcional, que gosta muito do que faz e estava muito feliz por ir ao Haiti". "Ele é motivado, organizado, excelente profissional", revelou. "O que mais se destaca nele é a perseverança. O Guimarães ralou as mãos na corda quando fazíamos o curso básico de paraquedista, mas conseguiu ir até o fim."

Seu irmão gêmeo, Marcelo, da Engenharia do Exército, também participou da missão de paz no Haiti. Por telefone, ele disse que a família prefere não se manifestar porque "ainda está muito aflita".