Título: Católicas criticam Lula por ceder à CNBB
Autor: Arruda,Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2010, Nacional, p. A12

ONG Católicas pelo Direito de Decidir acusa governo de recuar em pontos mais polêmicos do Programa Nacional de Direitos Humanos

A organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir divulgou ontem uma nota na qual critica duramente o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelas mudanças feitas no texto do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Segundo o texto, a eliminação de questões polêmicas, como o aborto e a união civil entre pessoas do mesmo sexo é um recuo ligado a interesses eleitorais.

A nota é uma reação às manifestações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), contrária à posição original do governo de apoiar projetos de lei favoráveis à não criminalização do aborto e à união civil. "Um governo que é respeitado no cenário internacional como democrático e defensor dos direitos humanos dobra-se à pressão política da hierarquia católica, sobrepondo interesses eleitorais à vida das mulheres e à dignidade de pessoas homossexuais", afirma a organização de mulheres.

Entre os grupos de direitos humanos que já se manifestaram em defesa do texto original do programa transformado em decreto presidencial no fim do ano passado, nenhum outro havia sido tão duro quanto o do grupo católico. A nota defende a laicização do Estado, ataca as interferências da CNBB nas instâncias públicas e acusa o governo de subserviente.

"Católicas pelo Direito de Decidir repudia tanto o intervencionismo autoritário da hierarquia da Igreja, quanto a subserviência do governo federal, que, visando às eleições, joga no lixo o processo de debate público realizado amplamente com a sociedade brasileira para chegar ao texto do Programa Nacional de Direitos Humanos lançado em dezembro de 2009", afirma a nota.

Em seu site na internet, o grupo Católicas pelo Direito de Decidir se apresenta como "entidade feminista, de caráter inter-religioso, que busca justiça social e mudança de padrões culturais e religiosos vigentes em nossa sociedade, respeitando a diversidade como necessária à realização da liberdade e da justiça". Originário dos Estados Unidos, atua em forma de rede em vários países da América Latina defendendo o direito das mulheres de tomarem decisões sobre todos os campos de suas vidas, incluindo o aborto.

Conta com o apoio de teólogos, ligados à Teologia da Libertação, e desfruta de respeito em debates internacionais, mas é repudiado pela cúpula da Santa Sé. No ano passado, representantes da organização participaram dos debates organizados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, sob a coordenação do ministro Paulo Vannuchi, que resultaram no texto do programa.

Segundo o texto, a interferência dos bispos é indevida: "O Estado, numa sociedade realmente democrática, deve ser laico e não pode se pautar pelas exigências e pressões políticas de nenhuma religião, nem mesmo da religião majoritária."

Para a organização o governo sucumbiu a pressões. Em apenas um momento Lula é defendido: quando a nota repudia a comparação dele com Herodes, feita pelos bispos. Para as católicas, é "desrespeitosa" a identificação do presidente com a "figura de um homicida".

A nota sugere que o governo recuou temendo os efeitos das questões polêmicas no debate eleitoral já em curso. Para as católicas, o direito das mulheres não poderia ter sido usado "como moeda de troca num contexto de jogo político".