Título: Falar de juros é quase uma compulsão do ministro Mantega
Autor: Fernandes, Adriana ; Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2010, Economia, p. B7

Para Mailson, o ministro deveria ficar calado sobre o assunto, pois ninguém tem dúvidas de que a taxa de juros vai subir este ano[br]Mailson da Nóbrega: economista da Tendências Consultoria

SITE ECONOMIA & NEGÓCIOS O economista da Tendências Consultoria, Mailson da Nóbrega, acha que o ministro Guido Mantega, fala demais. "Parece que ele tem compulsão para falar de questões do Banco Central." Para ele, Mantega não deveria dizer que a taxa básica de juros não deve subir, porque isso vai ocorrer em breve, o que o deixaria desmoralizado. Sobre o governo Lula, Mailson elogia o compromisso com a estabilidade econômica. "O PT ia mudar o País para pior, Lula não deixou." A seguir, trechos da entrevista.

O Banco Central já sinalizou que deve subir em breve a taxa básica de juros, mas o ministro Guido Mantega espera que isso não aconteça. Já é hora de elevar a Selic?

Não é hora ainda, mas ninguém tem dúvidas de que vai subir. As expectativas estão se formando e indicam que a inflação está subindo e pode ameaçar as metas de 2011. Grande parte do mercado acha que a taxa sube em abril. Aqui na Tendências acreditamos que será elevada em setembro, mas estamos pensando em revisar a data para junho ou julho. O que é interessante observar é que o ministro Guido Mantega, com toda a sua competência, é prisioneiro do Brasil do passado, no qual o Banco Central não tinha importância na definição das políticas de combate à inflação. O Brasil mudou há 15 anos e já deveríamos ter aprendido que ministro da Fazenda não se manifesta sobre juros em canto nenhum do mundo, pelo menos nos países que estão dando certo. Porque existe uma divisão clara de funções. O Ministério da Fazenda continua muito importante no Brasil. Agora, ministro da Fazenda falar em juros soa coisa do passado. Ele corre o risco de ser desmoralizado. Porque, se o Banco Central aumentar a taxa de juros em abril, o presidente Lula vai dizer "ok", não vai mandar o Banco Central voltar atrás. Como é que vai ficar o ministro dizendo que era contra? Será que vai ficar desmoralizado? Portanto, boca calada é melhor. Mas ele tem quase uma compulsão por falar alguma coisa que tenha a ver com o Banco Central.

Que conselho o sr. daria ao ministro Guido Mantega?

Em matéria de política monetária, ficar calado. Eu acho que o Mantega vai ter um grande papel este ano, que é o de contribuir para não haver deterioração de confiança no Brasil. Nós vamos ter um ano sujeito a volatilidade. A eleição vai provocar declarações dos candidatos e aliados que podem assustar os mercados. Como a declaração do presidente do PSDB, o senador Sérgio Guerra, que disse que, se o José Serra for eleito, mudaria a política econômica. Isso não faz o menor sentido. Na minha avaliação, a política econômica não será alterada, seja Serra ou Dilma quem vença as eleições.

Os gastos correntes do governo estão crescendo de forma permanente. Isso é preocupante?

É preocupante porque piora a qualidade do gasto. Esse governo piorou muito a qualidade dos gastos públicos porque aumentou de maneira impressionante a rigidez do orçamento. O governo Lula é um governo de concessão de benefícios a servidores públicos e aposentados. E, com isso, estreitou ainda mais a margem de manobra para investir em infraestrutura, ciências, tecnologia e tudo mais. Eu não vejo essa situação piorando em 2010. Eu acho que em 2010 as metas podem ser cumpridas. Também não vejo como procedentes os receios de que as eleições podem significar um risco de expansão irresponsável dos gastos. Isso é o Brasil do passado. No Brasil do presente e do futuro, ser irresponsável em política fiscal no período eleitoral é arriscar perder a eleição.

O governo Lula foi o que o sr. imaginava?

Eu tenho uma avaliação positiva do governo Lula, mas continuo crítico. O governo Lula é dividido. De um lado é responsável, conservador em política econômica. Consolidou no Brasil a ideia da estabilidade, contribuiu para aprofundar a autonomia do Banco Central, só que isso chocou os companheiros. Eles diziam há 25 anos que iriam mudar. Iam mudar o País para pior, mas o presidente Lula não permitiu. Só que, na hora em que o presidente decidiu seguir a política econômica do antecessor, embora diga que não, teve de contentar seus companheiros, entregando à esquerda do PT a política externa e a reforma agrária. Nesses casos, ele colheu alguns insucessos. Na questão externa, o Brasil não ganhou uma. Mas o sucesso dele na economia é retumbante. Se você colocar na balança, de maneira isenta, sem nenhuma paixão, os "dois Lulas", o que preservou políticas econômicas responsáveis e que é o velho PT, o saldo é muito positivo.