Título: Pressão por juro incomoda Planalto
Autor: Fernandes, Adriana ; Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2010, Economia, p. B7

Fontes do governo dizem que o mercado está torcendo e alimenta expectativas de alta para poder ganhar dinheiro

BRASÍLIA A forte pressão do mercado financeiro para que a taxa Selic suba em março ou abril a fim de conter o risco de alta na inflação por um suposto excesso de demanda tem incomodado o Palácio do Planalto. Uma importante fonte palaciana avaliou que no mercado "tem muita gente torcendo" e alimentando as expectativas de alta na Selic para poder "ganhar dinheiro".

Para esse integrante do governo, o BC ainda não deu indicações claras de uma alta iminente dos juros como o mercado faz crer, atuando como se fizesse "campanha" para os juros subirem. Pelo contrário, a avaliação no Palácio é que o BC mostra uma preocupação natural com o futuro da inflação, o que é seu papel, mas em nenhum momento disse que ela está saindo de controle nem sinalizou que enxerga um risco alto de isso acontecer.

"Pelo mercado, os juros sobem toda a semana. Se se fizer o que o mercado quer, estamos fritos. Tem gente que parece que fica torcendo para a inflação subir. Quem faz a política monetária é o Banco Central, é o governo, e não o mercado", disse a fonte. A leitura feita tanto no Palácio como no Ministério da Fazenda é de que uma subida da Selic não pode ser dada como "favas contadas". É preciso esperar a evolução da economia e ver se a demanda de fato vai crescer a um ritmo que a oferta de bens não conseguiria acompanhar.

"Tem de deixar a coisa um pouco acontecer", disse uma fonte, lembrando que, antes dos juros, o governo pode lançar mão de outros instrumentos de restrição monetária, como a retomada de níveis mais elevados de depósitos compulsórios - dinheiro que os bancos têm de deixar no BC -, que foram reduzidos durante a crise.

Somam-se a isso o desarme das medidas de desoneração fiscal neste ano, que ajudam a conter a demanda. Fontes do governo também lembram que é natural que, ao retomar o crescimento após a crise, a economia esteja mais acelerada, mas a tendência é de um arrefecimento desse ímpeto mais à frente.

DIVERGÊNCIA

O governo tentou ontem esfriar nos bastidores a manchete do Estado em torno das divergências entre os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Henrique Meirelles (BC). O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, por exemplo, disse que não havia diferenças de opinião entre os ministros. Nos bastidores, no entanto, fontes confirmaram que há uma divergência de visão entre Fazenda e BC.

Mantega não vê aquecimento excessivo da economia que possa exigir um aumento juros para conter a inflação. Já para Meirelles, que tem a atribuição de manter a inflação dentro da meta oficial, indicadores como massa salarial e crédito podem estar crescendo acima do que seria sustentável. "É natural que haja divergência no governo. No governo FHC não teve isso. Os desenvolvimentistas foram empurrados para fora do governo pelos monetaristas e deu no que deu. A ideia do atual governo sempre foi buscar uma síntese nessas divergências", disse uma fonte.

Uma fonte da equipe econômica, no entanto, também disse que nessa disputa, ainda que cordial, com Mantega, Meirelles tem uma posição mais enfraquecida por causa da indefinição de seu destino político. Como não sabe se e a que será candidato - além de ser o sonho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar a vice-presidência na chapa de Dilma Rousseff -, Meirelles tem de tomar cuidado redobrado.