Título: Monopólio na petroquímica
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2010, Notas e informações, p. A3
Os principais envolvidos no negócio asseguram que a decisiva atuação da Petrobrás na compra da petroquímica Quattor pela empresa privada Braskem ? controlada pelo Grupo Odebrecht, mas com fortíssima participação acionária da empresa estatal ? não é sinal de reestatização do setor petroquímico. A compra de sua principal concorrente lhe assegurará o monopólio do setor petroquímico no País, mas a Braskem e a nova Quattor continuarão sendo privadas, garantem.
A explicação é tecnicamente correta, pois o grupo privado continuará a deter a maioria acionária das empresas. Mas, com o negócio, aumentará muito o poder da Petrobrás na nova Quattor ? ou "Nova Braskem", como vem sendo chamada a empresa sob novo comando ?, pois ela já detinha parte expressiva do capital da empresa vendida e terá participação maior ainda na que está sendo constituída, pois é acionista também da nova controladora.
A Petrobrás terá participação maior também na Braskem, com o que aumentará sua presença no Conselho de Administração da empresa, cujas decisões possivelmente passarão a ser tomadas por unanimidade ? ou seja, a estatal terá poder de veto sobre decisões estratégicas do grupo que terá o monopólio do setor petroquímico e poderá rejeitar nomes para sua diretoria executiva.
Mas este é apenas um aspecto do negócio. Há outro, de efeitos mais profundos para a relação entre o Estado e a iniciativa privada, mas menos visível para a sociedade, que é o aumento notável do papel do governo na gestão de um setor vital para o desenvolvimento.
Até 1995, a Petrobrás dominava a petroquímica brasileira. Com as privatizações, o controle das centrais petroquímicas passou para o setor privado. Mas o governo Lula e boa parte dos petistas nunca se conformaram com as privatizações e tentam até mesmo influir na gestão de empresas privatizadas, como a Vale e a Embraer. Isso é mais notável na petroquímica.
Nos últimos anos, a Petrobrás, diretamente ou em parceria com grupos privados, retornou ao setor. Sua ação, aliás, foi decisiva para a constituição da Quattor, que resultou da fusão dos ativos petroquímicos do Grupo Suzano, adquiridos pela estatal, com os do Grupo Unipar, controlado pela família Geyer.
A Braskem é controlada pela Odebrecht (46% do capital votante), pela Norquisa, também da Odebrecht (15,6%), e pela estatal (25,3% das ações ordinárias). Empurrada pelo governo Lula, a Petrobrás tinha grande interesse na compra da Quattor pela Braskem, sob a alegação da necessidade de criação de uma empresa brasileira com porte suficiente para competir internacionalmente. Com a conclusão do negócio, a Braskem, que já é a maior empresa petroquímica da América Latina, terá faturamento anual de R$ 30 bilhões, e será a 11ª maior produtora mundial de eteno, insumo básico para a indústria de plásticos.
No mercado interno, a fusão dá à Braskem um poder inédito. O Grupo Odebrecht dominará as quatro centrais petroquímicas em operação: as de Camaçari (BA), Triunfo (RS), PQU (SP) e RioPol (RJ). Juntas, a Braskem e a Quattor respondem por 100% da oferta nacional de polipropileno, utilizado na fabricação de produtos como autopeças e sacos para grãos; e por 98,9% da produção de polietileno, usado na fabricação de sacolas de supermercados e brinquedos. Em nenhum dos outros casos polêmicos de fusão ou aquisição de empresas que resultaram em forte concentração do mercado se chegou a índices tão altos. O domínio da AmBev, por exemplo, chegou a 70% do mercado interno de cerveja e ela foi obrigada a se desfazer de alguns ativos. A Brasil Foods detém 57% do mercado doméstico de carnes industrializadas e 88% do de massas prontas.
A lei, de 1994, prevê que, "quando necessários por motivos preponderantes da economia nacional e do bem comum", o Conselho Administrativo de Defesa Econômica poderá considerar legítimos os negócios que resultem na dominação de mercados. Mas condiciona a decisão ao cumprimento, pela nova empresa, de regras como a de que os benefícios decorrentes do negócio sejam distribuídos equitativamente entre os proprietários e os consumidores ou usuários de seus produtos ou serviços.