Título: Posição brasileira reconhece opção radical palestina
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2010, Nacional, p. A6

Ao admitir a possibilidade de manter um diálogo de alto nível com o Hamas, o chanceler Celso Amorim envia uma mensagem inequívoca: o Brasil está disposto a conferir um novo status político ao grupo islâmico e o reconhece plenamente como um interlocutor legítimo da causa palestina. Significativa, a evolução da posição brasileira vai ao encontro da estratégia da facção palestina para romper seu isolamento internacional.

Hoje o Hamas é a alternativa islâmica e armada da causa nacional palestina ante seu eterno rival, o laico Fatah, fundado por Yasser Arafat. Se o segundo reconhece Israel e concorda que o fim da violência passa pelo diálogo, o primeiro carrega em sua carta de fundação a promessa de "destruir a entidade sionista" e recusa qualquer tipo de negociação que leve a uma solução de dois Estados. "A terra palestina é uma dádiva às futuras gerações muçulmanas. Nenhuma parte dela será dividida nem cedida", diz o documento.

Em 2007 o grupo islâmico expulsou, a bala, o Fatah da Faixa de Gaza. Desde então, está virtualmente isolado no território, cujas fronteiras se encontram bloqueadas por Israel e Egito. O Hamas viu sua situação piorar ainda mais com a brutal ofensiva israelense, há um ano, que deixou 1.300 mortos e limou boa parte do arsenais de foguetes que o grupo atirava contra o sul de Israel.

Até agora não deram resultados os esforços da Arábia Saudita e Egito para a reconciliação entre Hamas e Fatah. Isolado, o grupo islâmico luta para ser reconhecido pela comunidade internacional como um ator legítimo no jogo de xadrez do Oriente Médio - e é nesse contexto que entra a fala de Amorim.

Na esteira da aproximação com o Irã de Mahmoud Ahmadinejad, a nova posição brasileira em relação à questão palestina representa outra alfinetada em Washington, que - assim como a União Europeia - considera o Hamas "terrorista". Mais do que isso, a mudança do Itamaraty vai na contramão da estratégia de americanos, europeus e árabes moderados de investir todas as fichas na Autoridade Palestina, comandada pelo Fatah, para que o grupo melhore os indicadores socioeconômicos da Cisjordânia, reduza sua corrupção, comprometa-se com uma solução negociada e, assim, torne-se uma alternativa mais atraente à população palestina do que o Hamas, a opção fundamentalista e armada.