Título: Amorim admite dialogar com Hamas e leva pito de palestino
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2010, Nacional, p. A6

Ministro fala em "contatos informais no passado" e ouve alerta de "cuidado"

O chanceler Celso Amorim admitiu que o Brasil estaria disposto a estabelecer um diálogo com o grupo Hamas, alvo de boicote dos países ocidentais, e quer participar do monitoramento de eventual relançamento de um processo de paz no Oriente Médio. Mas recebeu ontem um duro recado do governo da Autoridade Palestina: uma aproximação com o Hamas pode dar a impressão ao grupo considerado como terrorista de estar ganhando legitimidade internacional.

"Qualquer aproximação com o Hamas hoje pode ser interpretada pelo Hamas como uma espécie de fraqueza da comunidade internacional e um sinal de reconhecimento do sistema de facto criado em Gaza por meio da força e de um golpe. Por isso, os países devem ter cuidado", alertou o ministro das Relações Exteriores da Autoridade Palestina, Riad Malki, que se reuniu ontem com Amorim.

A pauta do encontro incluía a participação do Brasil no monitoramento da implementação do processo de paz na região, uma nova posição que o Itamaraty quer garantir nos próximos meses. Os ministros ainda trataram da realização de uma conferência mundial no Brasil com a diáspora palestina e a confirmação da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos territórios palestinos, Israel e Jordânia em março.

"Sempre sentimos que muitos países têm o direito de dar sua contribuição para o processo de paz. Se o Brasil quiser ter esse papel, devemos considerar. Isso ajudará o processo de paz", disse o palestino.

Amorim confirmou essa intenção. Segundo ele, a ideia é que, em uma eventual retomada do processo de paz, o Itamaraty possa ficar encarregado de monitorar um aspecto do tratado - como fronteiras ou outro tema.

SEM MÁGICA

Sobre a viagem de Lula ao Oriente Médio, Amorim garantiu que ele não irá com "soluções mágicas" nem com ambição de protagonismo. "As soluções estão lá. Já sabemos o que podemos obter como resultado. Mas a questão é como é que será a implementação do processo de paz. E não reinventar o processo."

O ministro ainda admitiu que o governo brasileiro já manteve "contatos informais com o Hamas no passado". Mas não disse quando nem quem fez o contato. Apenas indicou disposição de repetir se isso fosse ajudar o processo. "Se isso ajudar, não excluo. Acreditamos no poder da razão. Talvez seja inocente. Mas temos de conversar", disse, ao ser indagado se estaria disposto a conversar com o Hamas diretamente.

Mas Malki, contrário ao Hamas, foi enfático em defender "cuidado" com a ideia. "Desde que o Hamas fez golpe em 2007, não deu nenhum sinal de que quer revisar suas ações. Na realidade, desintegraram o sistema político de Gaza e substituíram por seu próprio sistema de poder", disse Malki. "No momento em que o Hamas fizer parte de processo político e aderir aos princípios básicos, então não haverá portas fechadas."

Amorim concordou. "Claro que precisa ser parte do processo político", afirmou ele, defendendo a reconciliação. "A união é fundamental para um Estado estável."