Título: Governo recorre a manobras fiscais para cumprir a meta de superávit
Autor: Fernandes, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2010, Economia, p. B1

Para atingir os 2,5% do PIB, despesas com programas do governo, como o PAC, serão abatidas pela primeira vez

BRASÍLIA O governo deve fechar o superávit primário das contas do setor público entre 2% e 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009. O valor - que representa o esforço fiscal feito pelo governo federal, Estados, municípios e estatais para o pagamento das despesas com os encargos da dívida pública - ainda é impreciso porque faltam algumas informações dos governos regionais. As contas dos governos estaduais e municipais, provavelmente, ficarão abaixo da meta de 0,90% do PIB fixada para essa esfera do setor público.

Para dar por cumprida a meta fiscal de 2,5% do PIB, válida para todo o setor público, o governo vai recorrer, pela primeira vez, à possibilidade legal de abater das despesas parte dos gastos feitos com o Projeto Piloto de Investimento (PPI), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida".

A Agência Estado apurou que esses investimentos somaram R$ 17,5 bilhões em 2009, o equivalente a cerca de 0,5% do PIB. Pela legislação, as despesas com esses programas de investimento podem ser abatidas do resultado fiscal para efeito de cumprimento da meta. Mas o governo não precisará descontar todos os R$ 17,5 bilhões a que tem direito, mesmo levando em conta que as empresas estatais também não conseguiram cumprir integralmente a sua parte no esforço fiscal.

As estatais deveriam ter chegado ao fim do ano com uma economia equivalente a 0,20% do PIB, mas não atingiram esse porcentual. O valor do abatimento dependerá da consolidação das contas dos Estados e municípios, que ainda está sendo feita.

O governo teve dificuldade para cumprir a meta fiscal no ano passado por causa do cenário de forte queda da arrecadação tributária - reflexo da retração da atividade econômica e aumento da inadimplência dos contribuintes. Por isso, teve de recorrer ainda a uma série de manobras para engordar o caixa, como tomar emprestado R$ 3,5 bilhões do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no último dia do ano. A operação foi necessária para dar margem de segurança ao governo federal, já que os governos regionais e as estatais não conseguiram cumprir as suas metas de superávit.

CORRIDA MALUCA

Para tentar alcançar a meta, até 23 de dezembro o Ministério da Fazenda também segurou as chamadas despesas de custeio - gastos com material de escritório, viagens, pagamento de serviços, etc. O represamento desses gastos provocou uma enorme pressão de outros ministérios pela liberação de verbas.

A pressão veio também de parlamentares, interessados em desbloquear recursos para projetos que conseguiram incluir no Orçamento por meio de emendas feitas durante a discussão da lei orçamentária no Congresso.

Nos três últimos dias do ano, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, ficou de plantão em Brasília para administrar o frenético ritmo de pagamento e empenho (comprometimento) de despesas dos ministérios. Trabalho que só terminou para a equipe técnica dos principais ministérios por volta das 11h40 do dia 31.

O ritmo tradicionalmente acelerado de virada de ano se intensificou também porque 2010 é o último ano do governo Lula e todos os ministérios - e também os parlamentares - queriam garantir o empenho de despesas ainda em 2009 para que elas possam ser executadas neste ano, como exige a lei. Se não forem empenhadas, as verbas devem ser canceladas.

Um experiente técnico da área de Orçamento do governo classificou o clima de "verdadeira corrida maluca" para empenhar recursos. Vários deputados fizerem até mesmo corpo a corpo na Secretaria do Tesouro, no último dia do ano, para garantir recursos para as emendas que apresentaram ao Orçamento.

O lobby dos parlamentares em alguns casos chegou aos próprios ministros, que tiveram interrompido o descanso de fim de ano. O governo ainda não consolidou o volume de despesas empenhadas em 2009 que serão transferidas como "restos a pagar" para este ano, mas calcula-se que o valor vai superar R$ 60 bilhões.

NÚMEROS

R$ 17,5 bilhões é o total das despesas com o Projeto Piloto de Investimento (PPI), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida"

0,20% do PIB é a economia que as estatais deveriam ter chegado ao fim do ano, mas não conseguiram atingir o porcentual

R$ 3,5 bilhões foi o montante que o governo tomou emprestado do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no último dia do ano para reforçar o superávit

R$ 60 bilhões é o volume estimado de despesas empenhadas que serão transferidas como "restos a pagar" este ano ainda não consolidado pelo governo