Título: Governo descarta manobra fiscal em 2010
Autor: Fernandes, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2010, Economia, p. B4

Segundo secretário, governo não vai abater despesas para atingir a meta de superávit primário de 3,3%

Depois de cumprir a meta de superávit primário das contas do setor público, em 2009, tendo de recorrer ao abatimento de uma parte das despesas com investimentos prioritários, o governo vai perseguir em 2010 a meta "cheia" de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB), sem usar o mesmo mecanismo. "É possível abater, mas não vamos. Em 2010, não tem isso", afirma o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. O compromisso com a meta de 3,3%, diz ele, parte do presidente Lula.

À frente da administração do dia a dia do caixa do governo, Augustin ri com a brincadeira que circula no mercado financeiro de que o superávit feito no ano passado foi "promário" - uma referência ao diretor linha dura do Banco Central, Mário Mesquita, que já manifestou preocupação com a condução da política fiscal do governo - , mas sai em defesa das manobras para atingir o resultado. Para o secretário, criticar a qualidade do superávit "é o mesmo que o time que perde um jogo de futebol dizer que o outro time não fez um gol de qualidade".

Augustin confirma ainda a intenção do governo de usar o Fundo Soberano do Brasil (FSB) para comprar dólares e evitar a volatilidade da taxa de câmbio. Segundo ele, a ação do FSB ajuda a evitar a especulação, ao reduzir a previsibilidade do mercado.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo cumpriu a meta fiscal de 2,5% do PIB em 2009?

Sim, sem dúvida. Tivemos em outubro e novembro superávits primários positivos. E também tivemos em dezembro um resultado positivo. Isso ocorreu uma única vez, em 1998, mas decorrente do fato de que não pagaram a folha. Não sei se vale comparar.

Mas o governo abateu as despesas com PPI/PAC para atingir a meta de 2009?

Foi necessário muito pouco.

Essas despesas somaram cerca de R$ 17,5 bilhões, como antecipou o "Estado"?

O número está certo. Mas sempre tem pequenas vírgulas.

E o resultado fiscal de todo o setor público?

Só posso dizer que foi um bom superávit primário.

E para 2010?

Vamos voltar ao mesmo sistema de primário que usamos em 2007 e 2008. A meta é 3,3%. Vamos mirar na meta cheia.

O governo tem mais mágicas para tirar da cartola, como a de vender dividendos de estatais ao BNDES?

Não fizemos nada diferente do ponto de vista da execução orçamentária em 2009. Se a União tem a receber crédito de dividendos, isso não tem nada a ver com um aro (operação de antecipação de receita orçamentária, cuja proliferação foi um dos motivos do descontrole das contas públicas no passado).

Os críticos alegam que o superávit não é de qualidade.

O conceito de primário é claro. Não é possível alguém dizer diferente. É o mesmo que o time que perde um jogo de futebol dizer: "É, mas o outro time não fez um gol de qualidade". Eu não sei o que é um gol de qualidade. (O superávit) é igualzinho aos outros. Tudo o que fizemos tem efeito macroeconômico. Esse recurso, por exemplo, do BNDES, é um dinheiro que não está mais no mercado financeiro. Saiu de lá e veio para a conta única do Tesouro. Está esterilizado.

O BC, então, não tem o que reclamar desse superávit?

O BC faz a conta junto conosco. Se ele faz isso, é porque ele acha que a conta está certa. Metodologicamente, ele tem os critérios iguais aos nossos. Em termos de volume, o primário foi propositadamente menor do que em 2008 e, aí sim, o resultado de 2009 teve um efeito positivo para a demanda, de contribuir para que a economia crescesse.

No mercado financeiro, chamam o superávit de 2009 de "promário" e afirmam que o BC cobrou da Fazenda um compromisso com a meta cheia em 2010. É verdade?

(Risos) Desconheço. Nunca ouvi falar disso. Mas quero deixar claro que governo tem compromisso com o (controle) fiscal a partir da orientação do presidente Lula. De fazer política anticíclica em 2009 e voltar agora para o normal. Parte do mercado não soube avaliar a nossa política e errou. Em 2010, estamos dando o sinal. Vai voltar ao normal porque é adequado.

Como o governo vai sair de um patamar de superávit entre 2% e 2,2% de 2009 para 3,3%?

Com receitas maiores, e porque não haverá necessidade de despesas anticíclicas no mesmo volume. Desonerações e subsídios que serão menos necessários. O governo está saindo da fase de subsídios com a velocidade adequada.

O governo tem de onde tirar mais receitas extraordinárias como as de 2009?

O ano de 2010 será de menos ação anticíclica. A receita será mais favorável. E também a necessidade de receitas extraordinárias é menor. A facilidade para cumprir o primário tende a ser maior. Por isso, a meta é maior. A tendência é usar menos dividendos e depósitos judiciais. Vão continuar existindo, mas será uma parte menor do resultado.

O que muda com o ano de eleições?

O que muda é que boa parte das despesas não poderá ocorrer no segundo semestre. Não tem nenhuma alteração de curto prazo decorrente de ser ou não ser ano de eleição.

O volume recorde de restos a pagar (transferência de despesas de um ano para o outro) em 2010 não cria um Orçamento paralelo?

Não. À medida que se investe mais, é normal. Não preocupa.

Mas os restos a pagar que forem do PAC poderão ser abatidos da meta de superávit de 2010...

É possível abater, mas não vamos. Eu já disse. Este ano volta ao normal. A meta é 3,3%. Em 2009, fizemos uma ação planejada, anticíclica. Em 2010, não tem isso.

O sr. é amigo da ministra Dilma. Qual o compromisso dela com o superávit de 3,3%?

Ela tem a mesma opinião sobre o superávit. A ministra Dilma, o presidente Lula, os ministros Mantega e Paulo Bernardo e o presidente Meirelles, todos têm a mesma opinião. Em todas as discussões sobre primário, em que eu tive oportunidade de participar, o governo tinha acordo completo, inclusive a ministra Dilma.

Há espaço para mais desoneração? Dá para desonerar a folha de pagamentos das empresas este ano?

Toda vez que a desoneração for economicamente necessária e criar vantagem fiscal deve ser avaliada. É muito cedo para falar se dá para desonerar a folha, mas em princípio não. Acho difícil.

O que o governo vai fazer com o dinheiro do FSB? Vai comprar dólar?

O fundo pode comprar. Nós fizemos a regulamentação para deixar ele pronto, porque o governo pode achar em algum momento que é o caso de operar em moeda estrangeira. É uma opção.

O governo pode colocar mais dinheiro no FSB para a compra de dólares sem afetar o resultado primário?

Sim. O Fundo tem uma "perna fiscal" e outra não fiscal. Atualmente, só está funcionando a perna fiscal, com o FIEE (Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização).

O Tesouro comprar dólar não atrapalha a condução da política cambial pelo BC? Qual a vantagem?

Não achamos (que atrapalhe). Tanto que editamos a regulamentação. Aliás, o BC participa do Conselho do Fundo. O mercado deve ter as informações e o governo deve ser transparente na sua ação, mas um pouco de imprevisibilidade não é ruim para o mercado. Na nossa opinião, evita especulação porque o mercado passa a ver que o governo não tem só o BC para agir. Tem dois instrumentos para agir. E, se for necessário, juntamos força. O FSB e o IOF (taxação de capital externo) é para que o mercado compreenda que o governo está atento, e toda vez que achar que há risco de aumentar a volatilidade e de maior especulação, vai agir. Esse é o sinal. Estamos atentos e temos instrumentos.