Título: Um radical que não morde
Autor: Scinocca, Ana Paula ; Rosa, Vera
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2010, Nacional, p. A8

Martiniano usa palavras de Heloísa, mas tom é manso

Um radical de esquerda tentará intrometer-se na polarização entre o candidato do PT e o dos tucanos na eleição presidencial de outubro.

Martiniano Cavalcante pretende fazer o mesmo tipo de proposta da ex-senadora Heloisa Helena, do PSOL, na eleição de 2006, entre as quais a coletivização das propriedades e a democracia direta, com referendos para retirar do cargo políticos que forem considerados traidores do povo. Tudo com muita calma, que é o seu jeito de falar. Em nada lembrará a inflamada candidata da esquerda que obteve na eleição passada 6.575.393 votos (6,85% do total) no primeiro turno.

Martiniano Cavalcante teve o nome lançado a pré-candidato presidencial pela própria Heloisa e por um grupo de outros 14 dirigentes do PSOL, entre eles a deputada Luciana Genro (RS), desde que o partido interrompeu as conversações para formar uma aliança com o PV, que vai lançar a senadora Marina Silva (AC) à sucessão do presidente Lula.

Outros dois integrantes do partido pretendem também disputar a vaga: o ex-deputados Plínio Arruda Sampaio (SP) e João Batista Araújo, o Babá (RJ). Martiniano é tido como o favorito na disputa. A decisão será tomada em abril.

Martiniano formou-se em engenharia civil pela Universidade de Brasília, com 22 anos. Aos 24, em Goiânia, sofreu um acidente de moto quando se dirigia para ver como ia uma obra que tocava. Perdeu o braço esquerdo. "Faz parte da herança difícil. Tenho sequelas até hoje, como dores crônicas. Mas consigo fazer quase tudo. Só não tenho, por exemplo, condição de dar um abraço completo num companheiro." Ele está com 51 anos. É pai de cinco filhos, sendo os caçulas gêmeos, de sete anos.

"Minha vida é a de um militante de esquerda, que sonha com um socialismo diferente, em que a propriedade seja coletivizada, em que o Estado seja defensor da sociedade e não do capital." Nos anos 70 ele militou clandestinamente no velho PCB. Recusou-se a participar da formação do PT no início dos 80. Em 1992 ajudou a formar o PSTU. Mas saiu quando o partido passou a ser dominado pela ala Convergência Socialista, expulsa do PT. Voltou a ocupar lugar num partido em 2003, com o surgimento do PSOL.

Para ele, o socialismo deve lutar por uma sociedade sem miséria, mas livre e democrática. Martiniano concorda com os que acusam Cuba de não ser democrática. "Têm razão. Mas são cínicos quando deixam de admitir que o capitalismo é o responsável pela tragédia do Haiti."

Se for o escolhido para disputar a eleição, ele afirma que aparecerá no rádio e na TV se oferecendo como alternativa concreta à polarização PT-PSDB. "A proposta é construir um país pelo menos melhor do que esse administrado pela política neoliberal fundada por Fernando Henrique Cardoso e posta em prática pelo Lula. Meu mote será a necessidade de refundar a política apodrecida que existe no Brasil", diz. As palavras remetem ao discurso de Heloísa Helena, mas o tom e a ênfase são bem menos incendiários.