Título: Honduras rejeita influência chavista
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2010, Internacional, p. A18
Desfecho da crise expõe fracasso bolivariano e mostra que Zelaya jamais representou liderança popular efetiva
Um dia antes de deixar o poder, o presidente de facto de Honduras, Roberto Micheletti, tomou uma de suas mais emblemáticas decisões: retirou seu país da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), grupo liderado pelo venezuelano Hugo Chávez. O líder deposto, Manuel Zelaya, havia aderido ao bloco em 2008. Com seu exílio e a posse do presidente conservador Porfírio "Pepe" Lobo nesta semana, setores que lideraram o golpe de junho cumpriram sua promessa de barrar a "influência chavista" em Honduras.
A agenda bolivariana fracassou no país por uma conjunção de elementos, afirmaram ao Estado analistas e pessoas envolvidas na disputa. O primeiro deles seria a própria figura de Zelaya.
Diferentemente de líderes como o boliviano Evo Morales, o nicaraguense Daniel Ortega ou mesmo o equatoriano Rafael Correa, Zelaya é originário da oligarquia local e foi eleito, sob oposição de movimentos sociais, pelo Partido Liberal (PL) - representante do establishment da política hondurenha. Só depois, quase no meio de seu mandato, inverteu o discurso.
"Chávez, Evo, Ortega e Correa já eram bolivarianos antes de serem eleitos. Ganharam o mandato na defesa de ideias fortes e de uma plataforma de mudança", diz Peter Hakim, presidente do centro de pesquisa Diálogo Interamericano, de Washington. Ele argumenta que Zelaya carece de atributos básicos, "como competência e seriedade", para ser a liderança popular que almeja. "Ele não é o líder ideal que as pessoas querem apoiar."
Para um diplomata que atua em Honduras, Zelaya tornou-se bolivariano guiado por um senso agudo de oportunidade. Em 2006, quando chegou ao poder, os EUA de George W. Bush haviam se distanciado da América Central, preocupados com o Iraque e o Afeganistão. "Sem o apoio do aliado tradicional, as propostas de Chávez tornaram-se uma alternativa atraente."
Zelaya teria inicialmente pensado de forma "pragmática", buscando vantagens como o petróleo subsidiado de Caracas. Mas, ao se aproximar da Venezuela, flertou com a agenda interna bolivariana de refundação do Estado pela via da reforma constitucional. Com nova roupagem, o líder hondurenho aliou-se a movimentos sociais locais, que passaram a ver em Zelaya um defensor de seus interesses.
"A política hondurenha, no entanto, não estava preparada para esse tipo de projeto", disse Hakim. Zelaya não conseguiu avançar muito em seu novo caminho e foi derrubado cedo, ao insistir em uma consulta popular sobre uma Assembleia Constituinte. Sua destituição teve amplo respaldo das instituições do Estado - Forças Armadas, Congresso e Judiciário. "O projeto de Zelaya ainda era apenas uma ameaça em potencial a certos setores", diz o diplomata. "E, por isso, tratou-se de um golpe preventivo."
ESQUERDISTAS
Rafael Alegria, um dos líderes da Frente Nacional de Resistência (FNR), principal grupo popular zelaysta, culpa os EUA. Segundo ele, Washington "manteve duas caras" ao longo da crise que sucedeu ao golpe. Uma reconhecia o deposto como presidente legítimo, outra apoiava o governo de facto. "Se o (presidente Barack) Obama tivesse sido firme, nós derrubaríamos Micheletti tranquilamente. O povo faria isso", garante.
Descontado o componente ideológico, a posição de Alegria não difere muito da opinião de Hakim. Ele não culpa Obama pela queda de Zelaya, mas vê que a posição adotada pelos EUA logo após o golpe, favorável ao deposto, produziu um "consenso raso" em Washington. Com o tempo, os EUA adotaram uma posição mais pragmática e aliviaram a pressão sobre Micheletti.
Por trás da estratégia, defende Hakim, estaria o desejo de "não transformar Honduras em um problema para os EUA". Essa posição se manteve mesmo após a eleição de Lobo.
Graco Pérez, colunista do jornal conservador El Heraldo, que apoiou o golpe, afirma que a história fornece a melhor explicação para o fracasso do chavismo no país. Enquanto todos os seus vizinhos - El Salvador, Guatemala e Nicarágua - já tiveram guerrilhas fortes, Honduras nunca enfrentou o problema com a mesma intensidade.
Para Fernando Gerbasi, diretor do Centro de Estudos Estratégicos de Relações Internacionais, da Venezuela, Honduras transformou-se no primeiro país onde um presidente chavista não se manteve no poder. "O fracasso de Zelaya é também o de Chávez, que tem um projeto de expansão regional de sua "revolução bolivariana"", conclui.
O caso hondurenho seria distinto porque o governo foi incapaz de adotar uma nova Constituição, que contemplasse a reeleição. "Zelaya não conseguiu controlar os demais poderes do país", argumenta Gerbasi.