Título: Juízes articulam pressão sobre CNJ
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2010, Nacional, p. A13

Eles sustentam que conselho virou ""fábrica de resoluções"", que os asfixiam com exigências de caráter burocrático

A toga está inquieta. Aqui e ali, nos tribunais das grandes capitais e também nas comarcas mais remotas, cresce o movimento contra a ação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - ao qual a emenda 45, de 2004, conferiu atribuições constitucionais de fiscalizar os magistrados e definir metas e planejamentos do poder. Os insatisfeitos alegam que o CNJ extrapola suas funções recorrentemente, que o órgão legisla, atropela leis, códigos e a própria Constituição. Sustentam que o conselho tornou-se "fábrica de resoluções" e que tais normas os asfixiam, roubam-lhes tempo precioso com exigências de caráter burocrático.

No CNJ, porém, conselheiros recebem com naturalidade o queixume. Eles consideram que a reação já era prevista porque o aperto atinge costumes e práticas seculares da corte, inclusive regalias das quais se beneficiavam julgadores - carros de luxo nem sempre para missões oficiais, nepotismo e vencimentos bem acima do teto. No Piauí, o CNJ encontrou 20 servidores para cada desembargador. No Maranhão, 140 militares a serviço dos desembargadores, até em suas fazendas.

O grito da toga será debatido na primeira reunião do Conselho Executivo e de Representantes da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), marcada para o dia 26, em Brasília. A AMB reúne 30 entidades e cerca de 15 mil juízes. Na pauta estão a autonomia dos tribunais, as audiências públicas realizadas pela Corregedoria-Geral da Justiça e as resoluções. "Verificamos inquietações", atesta Mozart Valadares, presidente da AMB, que encaminhou expediente a todos os Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça pedindo sugestões.

Valadares enaltece a atuação do CNJ e de seu presidente, ministro Gilmar Mendes, mas pede diálogo permanente. "Precisa ter mecanismos de contatos entre os juízes e o CNJ. Antes de editar resolução, o CNJ pode promover audiência para que os juízes se manifestem. Os juízes devem ter oportunidade de dar sugestões evitando, assim, ações judiciais contra resoluções."

"O CNJ tem que ser repensado", sugere o desembargador Sérgio Antonio Resende, presidente do Tribunal de Justiça de Minas, há 43 anos na magistratura. "Tenho condição suficiente para discutir o que é o Judiciário. Eu digo que o CNJ tem que respeitar nossas diferenças. Não se pode tratar igualmente aqueles que tradicionalmente são desiguais."

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Resende dirige uma corte com mil magistrados e 296 comarcas. Incomoda-o a enxurrada de resoluções. A mais recente, de número 102, obriga os tribunais a darem ampla publicidade a seus gastos e despesas com pessoal, investimentos e custeios. "Aqui em Minas tudo o que fazemos é explícito, é publicado. No caso da 102, o CNJ tem toda a razão. A transparência é essencial. Mas não é fácil conviver com o CNJ. Tanta resolução está impactando ainda mais o nosso orçamento. Temos quadros só para atender às resoluções no dia a dia."

Ele vê ilegalidades em alguns atos, como a resolução 88, que obriga os tribunais a preencherem pelo menos 50% dos quadros comissionados com pessoal concursado. "Eivada de inconstitucionalidade porque interfere no regime federativo."

Outra queixa usual é com relação às audiências públicas que o CNJ realiza - magistrados alegam ser alvo de humilhações e constrangimentos. Miguel Kfouri Neto, presidente da Associação dos Juízes do Paraná, avalia que "implantar boas práticas de gestão é papel do CNJ, mas ele está indo muito adiante". "Partem do princípio de que os tribunais são sempre transgressores", protesta. "Nas audiências públicas juiz é execrado, chamado de corrupto e vagabundo e não tem direito de defesa. Ninguém quer ocultar denúncia. Mas que se tome o depoimento de quem acusa e se instaure procedimento."

"O CNJ virou instância extraordinária de revisão de todos os atos ligados a cartórios e concursos", alerta o desembargador Nélson Calandra, do Tribunal de Justiça de São Paulo. "Via de regra surgem conflitos entre a atividade normativa ou correcional do TJ sobre os cartórios e a primeira coisa que fazem é bater na porta do CNJ. É o lado perverso de um órgão de controle. Dá dor de dente, a pessoa vai ao conselho. É uma torneira aberta que provoca mais morosidade e desprestígio dos órgãos de origem."

Tribunais se insurgiram contra a resolução 88 porque ela estabelece também carga de 8 horas diárias como regra para o Judiciário. O CNJ constatou que servidores faziam concurso para jornada de oito horas, mas trabalhavam seis e, a partir da sétima, recebiam hora extra. "Era uma farra", desabafa Gilmar Mendes. "Em vários tribunais havia muita ênfase no atendimento às demandas dos próprios desembargadores e falta de condições adequadas de trabalho nas varas. Tudo agora está sendo devidamente previsto no contexto de planejamento estratégico. Não vamos retirar o argumento de necessidade de mais recursos, mas é inegável que há sérios problemas de gestão. O CNJ toca nessas situações e provoca reação. É o CNJ que está errado ao fazer essas exigências?"

FRASE

Gilmar Mendes Presidente do CNJ "Não vamos retirar o argumento de necessidade de mais recursos, mas é inegável que há sérios problemas de gestão. O CNJ toca nessas situações e provoca reação. É o CNJ que está errado ao fazer essas exigências?"