Título: Colegas se despedem em Lorena
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2010, Internacional, p. A17

O capitão Souza Franco não esconde os olhos marejados, vermelhos de choro. Treme os lábios ao falar, aperta as mãos suadas uma à outra. O semblante é estranho a um militar. Mas está no rosto de cada um dos integrantes do 5º Batalhão da Infantaria Leve, localizado em Lorena, a 180 km de São Paulo, a base de 10 dos 14 militares mortos no terremoto. Por trás da farda e da postura rígida, é um jovem de 30 anos que perdeu dez amigos de uma vez. "Um soldado se prepara para o combate, mas não para um desastre assim", diz.

Integrante do primeiro contingente de soldados enviados ao Haiti, Souza Franco treinou os companheiros que integravam o 11º contingente despachado pelo Brasil, em junho. Preparou os parentes para lidar com a partida e a distância. Só não imaginava levar a notícia de que os filhos e maridos não voltariam vivos. Os dez morreram no último dia de missão e voltariam ao Brasil amanhã. Quatro horas antes da tragédia, Souza Franco falou por telefone com o tenente Bruno Ribeiro Mário sobre a homenagem aos 28 combatentes que retornavam após sete meses no Haiti. Eles passariam por exames físicos e psicológicos, procedimento de rotina para militares. Em Lorena, seriam homenageados e teriam dispensa de 15 dias para ficar com as famílias.

Na sexta-feira, durante uma cerimônia de troca de comando já prevista, o 5º Batalhão estava de luto. Um soldado levava no ombro uma faixa preta sobre uma bandeira do Brasil, com a qual desfilou, acompanhado pelo som do surdo marcando o passo dos militares. Além do tenente Bruno, morreram os sargentos Davi Ramos de Lima, Leonardo de Castro Carvalho, e Rodrigo de Souza Lima, os cabos Douglas Pedrotti Neckel e Washington Luis de Souza Seraphin e os soldados Tiago Anaya Detimermani, Antonio José Anacleto, Felipe Gonçalves Julio e Rodrigo Augusto da Silva. Eles eram a elite da infantaria. Além de cuidar da segurança, ajudavam moradores da maior favela de Porto Príncipe, e uma das maiores do mundo, a Cité Soleil. Varriam ruas, reconstruíam escolas e envolviam a população em torno da missão.

A maioria foi atingida pelo terremoto dentro do Posto 22, o forte antes ocupado por uma facção haitiana e retomado em fevereiro de 2007, uma das principais vitórias da missão. A morte dos 14 militares foi a maior baixa do Exército desde a 2ª Guerra, quando o avô do capitão Souza Franco ainda era um recruta. Na ocasião, o país perdeu 443 homens.