Título: Brasil tem mais de duas Itaipus à espera de licença ambiental
Autor: Andrade, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2010, Economia, p. B7

Ibama não consegue emitir licença de 24 hidrelétricas cujos processos foram abertos entre 2001 e 2008

A burocracia no País tem impedido a construção de usinas hidrelétricas que, juntas, representam mais de duas vezes a capacidade de geração de energia da Hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo em operação. Levantamento feito pelo Estado com base nos dados do sistema de licenciamento ambiental federal mostra que mais de 30% dos processos registrados ainda não receberam sequer a primeira das três licenças exigidas para funcionamento.

A lista inclui desde processos polêmicos, como o da Usina de Belo Monte, até casos mais simples, que aguardam na fila desde 2001. Existem 24 processos para concessão de licenciamento no sistema do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que foram abertos entre 2001 e 2008. Incluindo os processos que começaram a tramitar em 2009, esse número sobe para 31, ou 37,8% do total.

Se essas usinas fossem construídas, aumentariam em 33,44 mil megawatts (MW) o potencial de geração de energia elétrica brasileiro. Itaipu, a maior usina em operação, tem capacidade de produção de 14 mil MW.

A demora na liberação das licenças tem gerado prejuízos concretos. No início de dezembro, o Ministério de Minas e Energia foi forçado a cancelar um leilão porque nenhuma das sete hidrelétricas que seriam oferecidas conseguiu obter a licença prévia do Ibama. Desde o anúncio do cancelamento do leilão, apenas uma foi emitida.

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, argumenta que é preciso ter "limites" em relação aos cuidados ambientais exigidos pelos órgãos responsáveis para evitar efeitos econômicos. "Há um certo número de cuidados do Meio Ambiente que acabam prejudicando. Nenhum de nós deseja que o Brasil se transforme em um país descuidado com seu meio ambiente, mas não podemos frear o crescimento nacional", afirma o ministro.

O próprio Ibama reconhece sua parcela de culpa na demora da análise dos processos. "Vamos começar com o mea-culpa. Existem ainda aqui, apesar de alguma evolução, sérios problemas de procedimento", afirma Pedro Alberto Bignelli, diretor de Licenciamento Ambiental do instituto. "Se temos dez pessoas recepcionando os estudos, são dez recepções diferentes. O check list (checagem de documentos) não é normatizado, cada um faz de um jeito", admite.

Os técnicos também tendem a ter um excesso de cautela na análise dos documentos porque o Ministério Público tem acionado diretamente os servidores que assinam os papéis - e não o Ibama. "Temos atualmente 70 procedimentos do Ministério Público diretamente contra servidores e isso causa um receio de tomada de posição do técnico; a cautela é naturalmente ampliada", explica Bignelli.

ALTERNATIVA POLUENTE

Sem a possibilidade de aumentar o número de hidrelétricas, o governo tem incentivado o uso de usinas termoelétricas, que geram uma energia mais cara e poluente. "A tendência do planejador é encontrar a solução possível. Se não vai ter hidrelétrica, que gera energia limpa e mais barata, você introduz soluções que são piores", diz José de Freitas Mascarenhas, presidente do Comitê Temático de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

"O Brasil está na contramão da história", diz Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ. O uso de termoelétricas impede que o País viva situação como a de 2001, quando a taxa de crescimento da geração de energia foi menor do que o aumento do consumo. "Mas esse problema está sendo mal resolvido", pondera o professor.

Alguns dos projetos em tramitação no Ibama tratam da construção de usinas de pequeno porte. Ainda assim, ser menor não garante agilidade. O processo da Usina de Estreito, que será construída no Rio Parnaíba, na divisa dos Estados do Maranhão e Piauí, é um exemplo. Essa unidade terá capacidade para 88 MW e contará com apenas duas turbinas. O processo foi aberto em abril de 2004, mas ainda está na segunda das quatro etapas para concessão da licença prévia, aguardando a reapresentação dos estudos de impacto ambiental.

Segundo Bignelli, como as regras em vigência não são detalhadas, as exigências feitas para um grande projeto acabam sendo cobradas nos casos de menor porte, o que contribui para o atraso. "O tratamento dado a uma PCH (pequena central hidrelétrica) 20 vezes menor do que Belo Monte acaba sendo o mesmo."

O caso mais antigo em registro no Ibama também envolve uma usina pequena, a de Pai Querê, que deve ser construída entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O processo foi iniciado em maio de 2001 e aguarda a reapresentação de estudos para que a análise final seja feita e a licença prévia, emitida.