Título: Podemos ajudar com o diálogo
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2010, Internacional, p. A12
Entrevista de Celso Amorim: ministro das Relações Exteriores. Chanceler diz que novas punições econômicas contra o Irã não trarão os resultados pretendidos pelo Ocidente
Brasil e França têm posições diferentes sobre a questão nuclear iraniana. Isso pode trazer prejuízo à relação bilateral?
Não, absolutamente. O Brasil não poderá impedir a aprovação das sanções. O Brasil não tem poder de veto nas votações do Conselho de Segurança da ONU. O Brasil não tem papel decisivo nessa questão, mas pode ajudar, com o diálogo. Há espaço para tentar uma negociação, mas isso depende de vontade política. A dificuldade está nos dois lados. Era preciso que o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) - Yukiya Amano - chamasse cada lado para verificar o que falta e negociar. Se falta algo sobre a quantidade ou o momento da entrega do urânio, essa questão tem de ser discutida. Sinceramente, não discutir não é uma boa opção.
O sr. tem conversas marcadas para tentar essa solução negociada?
Nada específico. Se o assunto chegar ao Conselho de Segurança, nossa embaixadora nas Nações Unidas (Maria Luísa Viotti) vai se envolver. Tive contato com autoridades da França e da Turquia e conversas telefônicas com autoridades dos Estados Unidos e de outros países. Temos dado nossa opinião de que vale a pena tentar.
O senhor tem certeza de que um acordo pode ser alcançado?
Não posso responder que sim. Não sou ingênuo sobre as dificuldades de um acordo. Mas o outro caminho, o das sanções, foi perseguido nos casos do Iraque e do Irã sem que nada tivesse acontecido. Se as sanções econômicas contra o Irã se tornarem mais apertadas, quem vai sofrer são os setores mais frágeis dessa sociedade. É uma coisa diferente quando as sanções recaem, na forma de embargo de envio de armas, a um país em guerra. No caso do Iraque, a taxa de mortalidade infantil mais que dobrou por causa das sanções. Se (o Conselho de Segurança) tivesse imposto as sanções e conseguido alcançar seus objetivos no Iraque, alguém, que não eu, poderia dizer que valeu a pena. E nem havia armas químicas no Iraque.
Se a resolução com sanções adicionais ao Irã for posta em votação no Conselho de Segurança, como o Brasil votará?
Não vou falar sobre isso agora porque não sei como a resolução está escrita. Não sei o que vai acontecer até lá, não sei se haverá um fato que possa mudar nossa percepção. Hoje, a minha percepção é a de que seria possível o diálogo.
Mesmo com a decisão do Irã de iniciar o enriquecimento de urânio a 20% e de construir 10 novas usinas?
Quem tomou a iniciativa de propor a compra do combustível nuclear foi o Irã. Provavelmente, porque deve reconhecer as dificuldades econômicas, industriais ou tecnológicas (que envolvem esse processo de enriquecimento). O Ocidente e a AIEA corretamente aproveitaram para fazer a proposta de troca de urânio iraniano por combustível nuclear. Os elementos básicos da troca foram aceitos. O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, disse isso outro dia. Se há alguma dúvida, se há suspeita de que o Irã está tentando ganhar tempo, deve-se chamar os negociadores iranianos e verificar se é isso mesmo. A conclusão não pode ser tirada das impressões de um lado só. D.C.