Título: BC discute o reaquecimento
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2010, Economia, p. B5

Enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertava que ainda não é hora de os países ricos retirarem o impulso fiscal e monetário das suas economias, as duas principais autoridades econômicas brasileiras presentes ao evento, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deixaram claro que a fase de estímulo já passou.

Sobre a questão do reaquecimento da economia e da condução da política monetária, Meirelles disse que "o Banco Central não faz previsão sobre a evolução da taxa de juros; em relação à questão de se a previsão que o mercado faz sobre uma futura subida da Selic constituiria um breque na economia, a resposta é que, devido à estabilização da economia e à queda da taxa neutra nos últimos anos, não se sabe onde ela está hoje".

O presidente do BC prosseguiu, explicando que "se esta precificação do mercado, caso acontecesse, levasse a Selic até a taxa neutra, isso configuraria uma desaceleração; caso a Selic, por algum motivo, subisse acima da neutra, isso seria, aí sim, uma contração; mas tudo isso, é bom frisar, são apenas previsões do mercado". Já Mantega disse que não vê no momento necessidade de aumento da taxa básica de juros, a Selic, em 2010.

O economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia em Berkeley, acha que a atual maré de populismo político nos países ricos também tem o seu lado bom - a pressão da população indignada sobre os políticos deu impulso à reforma bancária.

Eichengreen teve uma participação intensa no Fórum Econômico de Davos de 2010, encerrado ontem. Ele comentou para o Estado, onde deve estrear brevemente como articulista, o chamado plano Volcker (de Paul Volcker, ex-presidente do Federal Reserve, banco central dos EUA), que cria restrições a atividades especulativas dos bancos americanos e propõe limites ao seu tamanho, e outros temas do debate em Davos.

A reforma bancária foi uma questão central em Davos este ano. O que o sr. achou do plano Volcker? Até agora, tudo o que temos é uma proposta de uma página e a fotografia do Paul Volcker em pé atrás do presidente Obama. Mas agora, para serem críveis, eles estão comprometidos a dar seguimento com um plano detalhado sobre como vão desencorajar o tamanho excessivo por parte dos bancos, como vão eliminar o ""grande demais para falir"", e como vão lidar com conflitos de interesse. Em termos de tamanho, tudo o que está dito é que seria desejável ter limitações para que nenhuma instituição financeira seja responsável por mais do que 10% dos passivos totais do sistema. Em suma, temos de esperar os detalhes.

O que esperar desse detalhamento? Não acho que qualquer coisa que tenha sido proposta até agora seja uma indicação do que realmente vai acontecer. Acho que tudo o que fizeram foi sinalizar que eles agora estão levando a sério a reforma financeira. Toda a abordagem do plano Volcker é de política simbólica. É um sinal de que nós realmente precisamos cair em cima das instituições financeiras e prevenir excessos. Agora, a reforma financeira, como a do sistema de saúde, é um processo muito longo nos Estados Unidos. O Congresso tem de concordar, e não sabemos o que virá.

O que deveria ser feito em termos de reforma bancária? Eu focaria na questão de as instituições terem capital suficiente, com requerimentos mais elevados para grandes instituições, para desencorajar o tamanho excessivo. E também requerimentos de liquidez, o que já está contemplado nas diretrizes da atual negociação de Basileia. Também daria foco em remendar as práticas de remuneração dos executivos dos bancos, para desencorajar o "curtoprazismo" e a jogatina. Um último ponto importante é criar um regime de resolução (concordata) para os bancos.

Alguns veem as propostas mais radicais de reforma financeira e nas ameaças de protecionismo como manifestações de populismo político nos países ricos. O sr. concorda? O populismo é perigoso, como na hipótese de os Estados Unidos ficarem zangados com a forma como a China segurar a taxa de câmbio. Mas o populismo também pode ser canalizado para causas boas. Em 2009, nós não andamos o suficiente com a reforma financeira nos Estados Unidos, não fomos sérios em relação à forma como fazemos regulação bancária. Todo esse populismo e essa raiva agora são parte da explicação de por que a equipe do Obama está enviando sinais sérios e reais de que vai fazer a reforma financeira. O populismo é uma razão para isso.

Outro grande tema em Davos foi a vulnerabilidade da recuperação dos países ricos. Qual a sua visão? Acho que teremos uma recuperação muito lenta e penosa. Mesmo que a economia cresça, o emprego responde com defasagem. O bom número de crescimento apresentado recentemente pelos Estados Unidos foi devido à desaceleração da redução de estoques, e isso não vai continuar.

E o grande otimismo em relação aos emergentes, manifestado durante o Fórum? Ele certamente tem base na realidade, mas eu diria para que reprimam o seu entusiasmo um pouco. Um dos fatos que contribuiu para o bom momento dos emergentes foi uma grande festa. No Brasil, muito crescimento do consumo, que não pode continuar para sempre. Na China, um frenesi imobiliário, que também não pode durar para sempre. E ninguém sabe se haverá um duplo mergulho nos Estados Unidos e nos países industrializados. Se os Estados Unidos desacelerarem de novo, e o crescimento permanecer baixo na Europa e no Japão, o crescimento vai ser reduzido na China e nos outros países emergentes também.

Há a questão do câmbio desvalorizado da China. O que o sr. observou em Davos sobre esse tema? Foi interessante participar de um painel com uma alta autoridade econômica chinesa. Ele deixou claro que os chineses não reagem bem à pressão. Quanto mais você os pressiona, mais eles resistem. Essa tensão está bem presente.