Título: Davos deixa dúvida sobre incentivos
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2010, Economia, p. B5
Economistas e autoridades questionam qual o momento menos arriscado para retirar incentivos usados contra a crise
DAVOS
A grande pergunta de bilhões de dólares proposta aos economistas, empresários e autoridades congregados na última semana pelo Fórum Econômico Mundial continua sem resposta: qual o momento certo para desmontar os incentivos usados pelos governos para atenuar os efeitos da recessão? Chineses, indianos, brasileiros e outros emergentes têm perspectivas de firme crescimento neste ano, mas a recuperação nos Estados Unidos e na Europa ainda é insegura e ninguém sabe quando o setor privado poderá caminhar sem apoio dos governos.
O problema da decisão foi bem resumido pelo diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn. Se os estímulos forem mantidos por tempo demais, a dívida pública irá para as alturas e o ajuste do orçamento será muito difícil. Se forem retirados antes da hora, a economia poderá afundar de novo e, nesse caso, poderá faltar munição para os governos, porque o estoque de incentivos já foi amplamente usado.
Conclusão: o primeiro erro será menos custoso do que o segundo. Mas também não será desprezível, e o presidente Barack Obama tem chamado atenção para isso. A arrumação das contas será mais fácil com a economia de novo em crescimento, e assim mesmo será dolorosa.
A solução do segundo problema, o mais importante a longo prazo, dependerá das políticas seguidas nos EUA e na China. A economia americana continua sendo, de longe, a maior do mundo. A chinesa continua crescendo aceleradamente - expandiu-se 8,7% no 2009 - e poderá ultrapassar a japonesa e chegar ao segundo posto. As decisões tomadas nesses dois países poderão afetar todos os demais.
A relação EUA-China resume os principais desequilíbrios internacionais. Só será atenuado se os americanos, incluído o governo, pouparem mais e dependerem menos de financiamento externo. A China, com reservas próximas de US$ 2,5 trilhões, detém o maior volume de títulos americanos fora dos EUA. Com isso, tem financiado por muitos anos a farra de consumo dos americanos, principais compradores de produtos chineses.
O ajuste começou em 2009, forçado pela crise. Os consumidores americanos, desempregados e empobrecidos, tornaram-se mais cautelosos, até por falta de crédito. O crescimento chinês dependeu menos das exportações e mais do consumo interno e dos investimentos em infraestrutura, financiados com dinheiro público. O pacote de estímulos chinês ficou próximo de US$ 600 bilhões.
O vice primeiro-ministro da China, Li Keqiang, declarou a intenção de seu governo de reorientar a política nessa direção, consolidando um novo estilo de crescimento, menos dependente das exportações. Mas a valorização do yuan - uma reivindicação de todos os parceiros comerciais do país - continua fora da agenda chinesa. Por enquanto, e ninguém sabe por quanto tempo, o yuan continuará flutuando juntamente com o dólar, para infelicidade dos empresários brasileiros, americanos, europeus e muitos outros.
A terceira grande questão, a da reforma do sistema financeiro, parece encaminhada para uma solução, mas sua implementação será complicada. As linhas básicas foram desenhadas pelo Conselho de Estabilidade Financeira, por determinação do G-20 e incorporadas no arsenal de regras do Banco de Compensações Internacionais,, o banco central dos bancos centrais. Em países como os EUA, os governos estão sob pressão para enquadrar rapidamente os banqueiros. O presidente Obama tenta responder a essa pressão. Mas é preciso, insiste Strauss-Kahn, coordenar a reforma entre os vários países, para evitar tratamentos diferenciados e novos desajustes nos fluxos de capitais. Administrar essa operação será um duro trabalho para o G-20.