Título: Chávez cria fundo de US$ 1 bilhão para combater crise energética
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2010, Internacional, p. A8

Pressionado, presidente vai à TV, nega acusações de má gestão e responsabiliza o El Niño pelos apagões no país

ENVIADO ESPECIAL, CARACAS

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, anunciou ontem a criação de um fundo de US$ 1 bilhão para combater a crise energética em seu país. Segundo Chávez, o fundo financiará 59 projetos de geração e distribuição de energia e 50 de operação e manutenção de usinas. "Será um fundo nacional para o desenvolvimento elétrico", disse. "Vou transferir esses recursos para o Ministério de Energia Elétrica para que não haja nenhum atraso. Posso dispor inicialmente de US$1 bilhão."

Chávez dedicou parte de seu programa dominical Alô, Presidente para explicar a causa do racionamento de energia elétrica que tem deixado o interior do país às escuras entre quatro e oito horas a cada dois dias.

Assim como a saída do ar da emissora a cabo Rádio Caracas Televisão (RCTV), no domingo passado, a crise energética é um dos motivos dos protestos que estudantes promoveram durante toda a semana e devem retomar hoje.

O presidente venezuelano negou as acusações da oposição de que a falta de energia foi causada por deficiências de seu governo e voltou a atribuí-la ao fenômeno climático El Niño, que provocou uma das maiores secas dos últimos anos na Venezuela e reduziu ao mínimo o nível da represa de Guri, responsável por mais de 70% da geração de energia elétrica do país.

Chávez não fez menção, no programa, à assessoria de técnicos brasileiros, acertada na sexta-feira, numa visita a Caracas do assessor para relações exteriores do Palácio do Planalto, Marco Aurélio Garcia. O líder venezuelano preferiu chamar seu ministro de Energia Elétrica, Alí Rodríguez, para que ele anunciasse a entrada em funcionamento de usinas termoelétricas que aumentariam de 70% para 90% a capacidade de geração de energia elétrica no Estado de Zulia, um dos mais afetados pelo racionamento.

Especialistas no setor, porém, acusam o governo de falta de planejamento, investimento e manutenção de plantas de geração e transmissão de eletricidade. O diretor do sindicato dos trabalhadores do setor, a Corpoelec, Pedro Cáceres, diz que só o trabalho de manutenção das redes de distribuição já seria suficiente para atenuar de forma significativa a crise. "Há problemas sérios de funcionamento em algumas centrais e falta de interligação entre a energia gerada pelas turbinas de Guri e a de termoelétricas de contingência que poderiam reduzir os efeitos da crise", afirmou Cáceres ao Estado.

Em declarações ao jornal de Caracas El Nacional, o engenheiro elétrico Víctor Poleo acusou "a classe política, militarizada e civil, que conduz o setor elétrico" de apropriar-se de grande parte dos investimentos do Estado.

Segundo Poleo, em 11 anos de governo Chávez, foram destinados um total de US$ 35 bilhões para o setor elétrico. Desses, US$ 7 bilhões foram aprovados para obras de expansão e manutenção de usinas e linhas de transmissão. Mas só 30% das obras previstas foram executadas. Entre os projetos aprovados, está o de construção de usinas no Rio Tacoma. "As obras no Tacoma estão atrasadas em sete anos e seus custos dobraram", afirmou o especialista.

O governo de Chávez teve de negociar a ampliação do empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento para o projeto. No complexo de Guri, que conta com 20 turbinas, 7 estão fora de serviço por falhas de manutenção. Uma delas, segundo o jornal Correo del Caroní, vibra de modo anormal quando entra em funcionamento.

Embora o Ministério da Energia Elétrica e a Corpoelec estabeleçam em 23 mil megawatts a capacidade total de geração de energia no país, técnicos ligados à oposição indicam que a produção real está hoje entre 16 mil e 17 mil megawatts.

"É impossível prever se os problemas de manutenção e falta de investimentos causarão o colapso total de Guri", disse um especialista, sob a condição de anonimato, ao Correo del Caroní. "Mas, se isso vier a ocorrer, a Venezuela toda estará condenada à escuridão não por dias, mas por vários meses." As alternativas ao complexo de Guri são termoelétricas de pequena capacidade, operadas principalmente a óleo diesel.