Título: ONU alerta para risco de onda de refugiados
Autor: Chacra, Gustavo; Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2010, Internacional, p. A13

Tragédia ameaça produzir maior emigração no Caribe em 2 décadas

PORTO PRÍNCIPE

Diante da demora na distribuição de alimentos e do aumento da violência, a Organização das Nações Unidas (ONU) e as autoridades americanas tentam impedir que o terremoto da semana passada no Haiti desencadeie um fluxo migratório recorde na região do Caribe.

A ONU alerta que milhares de pessoas estão tentando sair das áreas mais afetadas da capital rumo ao interior do país. A organização estuda a criação de um campo de refugiados para 100 mil haitianos. Uma das regiões indicadas seria a de Croix des Bouquets, a 13 quilômetros de Porto Príncipe.

Ontem, a busca por combustível era a principal razão para o movimento na fronteira com a República Dominicana, segundo o enviado especial do Estado Gustavo Chacra, que não registrou um trânsito intenso no caminho entre Porto Príncipe e a fronteira.

Ainda assim, o governo dominicano começou uma campanha de vacinação para evitar doenças trazidas pelos haitianos. "Eles enfrentaram esta tragédia porque não acreditam em Deus", dizia a um dominicano, logo respaldado pelos amigos. Todos no grupo temem que um novo tremor volte a castigar o Haiti, onde o vodu é largamente praticado, e afete também a República Dominicana.

Segundo o correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade, um relatório da ONU sobre a situação no Haiti informa que muitas pessoas se refugiaram na fronteira com a República Dominicana, esperando ser atendidos pelos hospitais do país vizinho. "Os hospitais dominicanos estão transbordando e começaram a mandar os pacientes para outras cidades", afirmou o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários. "Há falta de equipamentos médicos, médicos e enfermeiras", diz o relatório.

A Organização Internacional para a Migração (OIM) confirmou o aumento do número de haitianos que cruzaram a fronteira na cidade de Jimani para buscar tratamento hospitalar. Segundo a entidade, a violência no Haiti aumentou por causa do acesso difícil a alimentos, principalmente depois que os preços começaram a subir. "Os preços da comida e dos transportes dispararam e os incidentes violentos e os saques aumentaram no Haiti", afirma a OIM.

Em apenas seis dias, o preço do pão dobrou e, segundo a Cruz Vermelha, muitos deixaram de ter dinheiro para se alimentar. Para a ONU, o problema "está se tornando crítico". Para a organização, a falta de combustível pode ter um impacto direto nos esforços de distribuição de alimentos e remédios. O preço da gasolina aumentou para US$ 10 (cerca de R$ 17,6) por galão (3,8 litros). No domingo, a ONU trouxe em caminhões-pipa, de Santo Domingo, 10 mil galões de gasolina. A falta de combustível está afetando a capacidade do Programa Mundial de Alimentação da ONU.

Para prevenir a chegada de levas de imigrantes famintos, condados do sul da Flórida prepararam planos de contingência e autoridades de imigração abriram espaço em um centro de detenção com 600 leitos no centro de Miami. O governo americano tem tentado dissuadir haitianos de tentarem a perigosa travessia marítima de 960 quilômetros até a Flórida.

"Não queremos uma desestabilização do Haiti. Mortes na magnitude em que ocorreram têm implicações políticas", disse Andrew Natsios, veterano que chefiou os esforços humanitários americanos no Iraque, Afeganistão, Sudão e no tsunami da Ásia, em 2004.

"Pela lei internacional, não se pode proibir pessoas de se mudarem se elas se sentirem ameaçadas. No entanto, podemos criar incentivos para que elas permaneçam onde estão", disse Natsios, que foi diretor da Agência para o Desenvolvimento Internacional, de 2001 a 2006.

Presidentes americanos, desde Jimmy Carter, sempre tiveram de lidar com ondas de migrantes do Caribe provocadas por crises políticas, guerras e desastres naturais. A chegada por mar de 100 mil cubanos e 25 mil haitianos em 1980, no episódio conhecido como "Mariel Boatlift", fez com que alguns imigrantes permanecessem anos em campos de refugiados americanos.

Para que o mesmo fenômeno não se repita, agentes de segurança americanos advertiram ontem que os haitianos apanhados tentando entrar ilegalmente nos EUA serão imediatamente deportados.