Título: Tremor sepulta projeto de revitalização da capital
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2010, Internacional, p. A12
Para arquiteto brasileiro, que atua no programa, desafio agora é tornar o Haiti um país sustentável
RIO Entre os sonhos sepultados pelo terremoto que devastou o Haiti na semana passada, estão projetos de requalificação do centro da capital, Porto Príncipe, a partir da área mais antiga, Bel Air, em gestação há três anos, com participação do arquiteto brasileiro Sérgio Magalhães e apoio da Noruega. Se antes da tragédia a ideia era fazer uma reforma urbanística para liberar ruas ao tráfego e construir habitações e lojas, depois do desastre o país regrediu a um patamar no qual, antes de tudo, importa garantir a sobrevivência dos cerca de 9 milhões de habitantes que não têm o básico, explica ele. "A questão é outra agora, é de outro gênero", afirma Magalhães, enquanto mostra, em seu laptop, fotos das ruas haitianas anteriores ao tremor, tomadas de lixo, esgoto e camelôs. "É preciso fazer a reconstrução e tornar o Haiti sustentável." A relação de Magalhães com o pequeno país caribenho começou em 2006, quando, a convite da ONG carioca Viva Rio, foi convidado a projetar ações de requalificação inicialmente apenas para Bel Air. As forças militares da ONU, comandada pelo Brasil, tinham expulsado as gangues armadas que dominavam a região, e agora pretendia-se implantar algum tipo de ordenamento urbano no bairro, uma área tradicional onde ficavam a catedral e o mercado. Mas logo a realidade obrigou o arquiteto e a ONG a mudar de planos. Faltava água (não havia vestígio de tubulação), e as ruas tinham montanhas de lixo (que não era recolhido, nem tratado; não havia nem mesmo um aterro sanitário onde pudesse ser jogado).
"Não fazia sentido (falar em urbanização)", recorda o arquiteto, destacando que o haitiano consome, em média, oito litros diários de água, em contraste com os 200 que cada brasileiro usam por dia.
Os militares brasileiros construíram sistemas de captação e filtragem da água das chuvas. O Viva Rio também passou a distribuir em quiosques água recolhida em represas. O lixo começou a ser recolhido das ruas e, há seis meses, comprou-se um terreno, onde seria instalado um aterro. Foi feito um censo na região, com 80 mil pessoas. Ele apontou que 80% das casas só tinham um cômodo, e 90% não tinham banheiro.
"A impressão que se tem é que as coisas lá andam, mas muito devagar", diz. Em 2009, Magalhães voltou ao Haiti, para começar a estudar a requalificação urbana, então ampliada de Bel Air para todo o centro.
"Uma parte ali é um grande mercado de rua, onde se vende de móveis a comida de quinta categoria", conta. Foi feito um estudo para tirar o comércio a céu aberto de duas ruas centrais, liberando assim o acesso ao porto. Os comerciantes de rua seriam identificados a partir de janeiro de 2010 e, depois, deslocados para uma área próxima, muito favelizada, onde seriam feitas lojas e habitações. Antes do terremoto, Magalhães se preparava para voltar a Porto Príncipe em fevereiro. Agora, acabou: a tragédia criou uma situação nova, além de agravar problemas antigos do país.