Título: Piñera tenta atrair centro no Chile
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2010, Internacional, p. A15

Sem maioria no Congresso, presidente eleito terá de fazer acordos com moderados e corre risco de irritar a direita

enviado especial em Santiago

Um dia após vencer as eleições, a direita chilena delineava ontem suas estratégias para superar o que prometem ser os principais desafios do início de seu governo: a transição de poder, a ausência de maioria no Congresso e a necessidade de conciliar os setores duros e moderados de sua própria coalizão.

Pela manhã, o presidente eleito Sebastián Piñera recebeu a presidente Michelle Bachelet para começar a preparar a transição, que nos últimos 20 anos havia sido feita dentro da própria Concertação - coalizão de centro-esquerda que governa o Chile desde a saída de Augusto Pinochet, em 1990. Bachelet convidou Piñera para participar da cúpula do Grupo do Rio, em fevereiro, em Cancún.

Em seu discurso da vitória, para facilitar o processo de transição, Piñera pediu que os grupos políticos do país façam uma "segunda transição democrática", revivendo a "democracia dos acordos" do governo Patrício Aylwin, que, após o fim da ditadura, manteve a política econômica de Pinochet. "Faremos um governo de unidade nacional, que construirá pontes de encontro e derrubará muros de divisão", disse.

A estratégia para driblar a falta de maioria no Congresso também deve ser o diálogo. A direita tem 58 dos 120 deputados e metade dos 38 senadores. Para aprovar seus projetos, terá de atrair os independentes e gente da Concertação, como os deputados mais conservadores da Democracia Cristã (DC).

"No Chile sempre se praticou a política de acordos", disse José Miguel Izquierdo, um dos coordenadores da campanha de Piñera. "Essa tarefa será facilitada porque o sistema político do país pode sofrer mudanças", afirmou, em referência ao eventual racha da Concertação.

O problema é que, para atrair o centro, Piñera tem de manter o discurso moderado, mas parte de seu bloco pressionará por um endurecimento. O presidente eleito é do partido Renovação Nacional (RN), de centro-direita, mas também faz parte de sua coalizão a União Democrata Independente (UDI), que representa a direita "dura", que obteve 40 cadeiras na Câmara dos Deputados. "Somos a favor de um pouco mais de Estado e projetos sociais do que a UDI", disse o senador eleito Francisco Chahuán, do RN.

Segundo o cientista político Robert Funk, da Universidade do Chile, setores da coalizão de Piñera tentarão impulsionar a tradicional agenda da direita, que inclui a repressão mais firme de greves e movimentos sociais, o que pode trazer problemas para o novo governo.

O próprio Piñera irritou sindicalistas em um debate na TV, há uma semana, ao declarar que a Central Única dos Trabalhadores não representava os trabalhadores do país. Segundo Izquierdo, o governo também não está de acordo com a lei que permite aos mapuches reivindicarem terras em disputa - outro vespeiro da política local.

Nos primeiros dois anos de governo, Bachelet enfrentou revolta de estudantes e a crise do setor de transportes. Sua popularidade - hoje em mais de 80% - chegou à casa dos 20%. "A tendência é que Piñera evite confronto direto, em um primeiro momento, pois se reprimir esses movimentos dará à oposição argumentos para dizer que a direita não mudou", diz Funk.

CONGRESSO

58 deputados é a bancada da coalizão de Piñera na Câmara, de 120 vagas

40 deputados pertencem à UDI, da base do novo governo

19 senadores da direita no Senado, de 38 vagas