Título: Desarmando a bomba grega
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2010, Notas e informações, p. A3

Os governos europeus decidiram enfim socorrer a Grécia e impedir um calote desastroso para todo o bloco. A economia grega é pequena, mas sua dívida é uma bomba-relógio nas carteiras de bancos espalhados por todo o continente. Por isso foi estranha a demora na decisão: estava em jogo toda a zona do euro e não apenas um país periférico e levado à beira da insolvência por erros do governo. A nota emitida logo depois da reunião de cúpula dos 27 países da União Europeia, na quinta-feira, foi bem explícita quanto a esse ponto. Seus líderes decidiram tomar "medidas determinadas e coordenadas", em caso de necessidade, "para garantir a estabilidade financeira da zona do euro". Mas o governo grego terá de reduzir seu déficit, em três anos, dos 12,7% estimados para este ano para cerca de 3% do PIB. Vai ser necessário um aperto e tanto e as autoridades de Atenas ainda terão de enfrentar forte oposição política às medidas de austeridade. Mas não terão de enfrentar a tarefa e serão monitoradas pelo Banco Central Europeu, pela Comissão Europeia e, provavelmente, pelo FMI.

Os chefes de governo deixaram para os dias seguintes o detalhamento do plano de ajuda, assunto mais adequado para os ministros de Finanças. Eles teriam de encontrar formas de ajuda sem violar as normas do bloco. O dinheiro não poderia sair do Banco Central Europeu, proibido de comprar títulos nacionais, nem do orçamento da União Europeia. Mas os vários governos poderiam combinar um plano de ajuda sem o envolvimento das instituições comunitárias. O passo mais importante, a decisão de intervir, foi dado mesmo na reunião de quinta-feira.

Não seria necessário grande esforço para justificar a decisão. O risco do calote grego foi suficiente para criar pânico em todos os mercados financeiros da Europa, com reflexos no resto do mundo. Um calote efetivo poderia abalar um sistema bancário ainda não recuperado, inteiramente, da crise iniciada com o estouro da bolha imobiliária. Mas os danos totais seriam provavelmente bem maiores: por efeito dominó, outros países com dívida pública muito elevada e grandes buracos nas contas públicas seriam atingidos pela desconfiança dos mercados e pela onda especulativa. Irlanda, Espanha e Portugal seriam provavelmente os próximos atingidos pela onda e pelo menos uma economia grande, a Itália, poderia ser afetada.

A crise da Grécia e as dificuldades fiscais dos chamados periféricos tornaram mais premente o problema do ajuste das contas públicas, devastadas pelos efeitos diretos da crise e pelos pacotes antirrecessão. Mas a pressão pelo conserto das contas veio num momento impróprio. A recuperação na maior parte da Europa mal começou e as economias continuam muito debilitadas.

No quarto trimestre, o PIB da zona do euro foi apenas 0,1% maior que o do terceiro e 2,1% menor que o do trimestre final de 2008. Em toda a União Europeia o crescimento foi também de apenas 0,1% entre os dois últimos trimestres de 2009. Houve uma sensível perda de impulso. No terceiro trimestre, o crescimento na zona do euro havia sido de 0,4%.

A maior economia da área, a Alemanha, ficou estagnada de outubro a dezembro. Seu PIB havia crescido 0,4% e 0,7% nos dois trimestres anteriores. O desempenho da França foi bem melhor, com expansão de 0,6% nos últimos três meses do ano. No mesmo período a produção grega encolheu 0,8%; a da Espanha, 0,8%; e a da Itália, 0,2%.

Esses números indicam ser muito cedo para a eliminação dos pacotes de incentivos montados durante a pior fase da crise. Um aperto fiscal, nesta altura, pode condenar a União Europeia, ou pelo menos vários de seus países, a uma nova queda na recessão. Isso complica notavelmente a solução do problema criado com o risco de insolvência da Grécia e os enormes buracos orçamentários dos chamados periféricos.

A crise mostrou uma União Europeia bem mais vulnerável a desarranjos econômicos do que se supunha. Critérios comuns (como o limite de 3% do PIB para o déficit fiscal) foram insuficientes para garantir a segurança. A experiência indica a necessidade de uma coordenação maior das políticas. O episódio evidencia mais uma vez a grande dificuldade de operar com uma moeda comum. Os governos do Mercosul, incluído o do Brasil, deveriam estudar essa lição.