Título: Obama apoia autonomia cultural do Tibete
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2010, Internacional, p. A13

Apesar dos cuidados, China se irrita com reunião do presidente com dalai-lama

REUNIÃO - Obama e o dalai-lama na Casa Branca: debate sobre paz

Apesar da oposição da China, o presidente americano, Barack Obama, reuniu-se ontem com o líder tibetano dalai-lama por mais de uma hora na Casa Branca. Os dois prêmios Nobel da Paz discutiram a necessidade de promover a paz mundial, valores humanos e harmonia religiosa, disse o dalai-lama na saída do encontro.

O líder espiritual tibetano disse admirar os EUA desde criança, porque, segundo ele, o país é um defensor da "democracia, da liberdade e dos valores humanos".

Todo o encontro foi conduzido de forma discreta. Para não melindrar ainda mais os chineses, a Casa Branca lançou mão de vários gestos diplomáticos. O dalai-lama não foi recebido como chefe de Estado, mas como o líder religioso e porta-voz dos tibetanos. Por isso, ele foi recebido na Sala dos Mapas e não no Salão Oval, uma honra reservada a chefes de Estado. E o encontro ocorreu em grupo, não de forma bilateral. Não houve entrevista coletiva após o encontro e a Casa Branca limitou-se a divulgar uma foto da reunião. À tarde, o líder tibetano reuniu-se com a secretária de Estado americano, Hillary Clinton.

Mas, apesar dos cuidados, as autoridades chinesas demonstraram irritação com o encontro e se disseram "fortemente insatisfeitas". Pequim considera o dalai-lama um separatista que busca a independência do Tibete. O líder tibetano afirma que quer apenas mais autonomia para a região. Ele vive exilado na Índia desde 1959.

Manifestantes receberam a comitiva do dalai-lama na Praça Lafayette, diante da Casa Branca, com bandeiras do Tibete e dos EUA e cantos para celebrar o líder espiritual. Após o encontro, o secretário de imprensa da Casa Branca, Robert Gibbs, divulgou um comunicado afirmando que Obama reiterou seu apoio à preservação dos valores religiosos e culturais do povo tibetano e à proteção dos direitos humanos dos tibetanos dentro da China.

No encontro, Obama elogiou a abordagem do "caminho do meio" adotada pelo dalai-lama, que prega maior autonomia para o povo tibetano, mas sem a independência. Seria uma forma de preservar os interesses chineses, de segurança e integridade territorial, e os interesses tibetanos, de proteção e preservação de sua cultura, religião e identidade nacional.

Obama também teve o cuidado de elogiar a estratégia não violenta e as tentativas de diálogo com a China. "O presidente e o dalai-lama concordam com a necessidade de uma relação positiva e de cooperação entre a China e os EUA", disse Gibbs.

DESENTENDIMENTOS

O encontro com o dalai-lama é apenas o último de uma série de desentendimentos entre China e EUA. Washington anunciou recentemente a venda de US$ 6,43 bilhões em armas para Taiwan - que é considerada pela China uma província rebelde. A China disse que vai retaliar empresas americanas que fornecerem as armas. Hillary foi a público exortar Pequim a investigar os ataques de hackers contra o Google na China e pediu maior liberdade na internet chinesa.

A Casa Branca espera contar com o apoio da China para a adoção de sanções contra o Irã no Conselho de Segurança da ONU, por causa do programa nuclear iraniano. A China é o único dos cinco membros permanentes que não apoia sanções, em parte porque os chineses importam grande parte de seu petróleo do Irã.

DIREITOS HUMANOS

Em seu primeiro ano de governo, Obama tentou uma abordagem mais conciliadora com a China. Deixou questões como direitos humanos em segundo plano e se aproximou da China como parceiro estratégico em questões como aquecimento global e reforma financeira. Em outubro, ele adiou um encontro com o dalai-lama em Washington, temendo abalar a relação bilateral. A decisão foi duramente criticada por grupos de defesa dos direitos humanos. No entanto, a estratégia de aproximação não rendeu muitos frutos, medindo-se pela relutância da China em apoiar sanções contra o Irã e até sua posição inflexível nas negociações do clima em Copenhague

Outra fonte de tensão é a relação financeira entre EUA e China. Até dezembro, a China era o maior credor dos EUA - Pequim tem US$ 800 bilhões em títulos da dívida americana.

A China foi ultrapassada pelo Japão, depois de começar a se desfazer de parte de seus títulos do Tesouro, inquietando autoridades americanas. Os chineses vêm fazendo ameaças veladas de começar a vender os títulos do tesouro americano, o que levaria a uma alta nas taxas de juros e queda do dólar.

RESPOSTA CHINESA

Ma Zhaoxu Porta-voz da chancelaria chinesa "A China expressa sua forte insatisfação e forte oposição a isso (o encontro em Washington entre o dalai-lama e o presidente americano)"