Título: Disputa é útil para Cristina Kirchner
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2010, Internacional, p. A16
Foi Karl Marx quem disse que "a história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa" - e no caso dessa disputa que irrompeu abruptamente envolvendo as Ilhas Malvinas, há razões para achar que ele estava certo. Os recentes protestos da Argentina, desencadeados pela perspectiva de petróleo em abundância em torno da ilha, podem facilmente ser descartados como bravatas. Mas esse foi o erro cometido pela Grã-Bretanha em 1982 e quase mil pessoas morreram por isso.
Os paralelos com os fatos que antecederam a guerra de 1982 são surpreendentes, mas suscetíveis de exagero. A Dama de Ferro desta suposta continuação da batalha não é a britânica Margaret Thatcher, mas Cristina Fernández de Kirchner, presidente da Argentina e sucessora do marido, Néstor Kirchner. Ela já mostrou que não teme uma luta.
Como Thatcher, Cristina passou grande parte do seu tempo no cargo batalhando com os sindicatos e tentando ressuscitar uma economia endividada. Segundo analistas, o governo argentino está tomando cuidado para não provocar um furor patriótico. Mas no próximo ano, serão realizadas eleições para a presidência do país.
Se Cristina e seu marido conseguirem descartar as acusações de corrupção, um dos dois poderá tentar um segundo mandato. E o que seria melhor para conseguir votos dos eleitores do que uma briga apaixonada com a frígida e distante Grã-Bretanha? Cristina disse publicamente que o direito da Argentina à soberania sobre as Malvinas é "inalienável".
As medidas adotadas pela Argentina esta semana, exigindo que os navios obtenham vistos para viajar ou atravessar essas águas contestadas, em torno do arquipélago, foi caracterizada imediatamente como "bloqueio" - um outro eco de 1982. Mas os habitantes das ilhas dizem que não existe necessidade, desta vez, de se criar uma zona de exclusão similar à estabelecida pela Grã-Bretanha após a invasão. Uma zona econômica soberana de 800 quilômetros quadrados circunda hoje as Ilhas Malvinas, protegidas por um destroier da Marinha inglesa, caças Typhoon e cerca de 1.300 soldados.
A Grã-Bretanha concorda que a Argentina tem o direito de impor regras para os navios que usam os seus portos. Mas especialistas do setor petrolífero dizem que, se essas novas normas forem aplicadas, isso vai encarecer inevitavelmente os trabalhos de exploração de petróleo.
A primeira torre petrolífera chega à ilha esta semana, com os trabalhos de perfuração previstos devendo começar no próximo ano. A Grã-Bretanha diz que essa é uma atividade perfeitamente legal.
Mas não dá para saber claramente o que o chanceler argentino Jorge Taiana quis dizer ao advertir que a Argentina poderá impedir os homens envolvidos no trabalho, alegando "violação de soberania".
Por outro lado, ao contrário dos dias sombrios do falecido general Leopoldo Galtieri, ninguém está falando seriamente em recorrer à força militar. Um possível caminho para Buenos Aires é levar suas queixas às Nações Unidas. Ou então esperar uma ocasião mais propícia, enquanto as empresas e capital britânico executam o trabalho mais difícil.
De acordo com algumas estimativas, 60 bilhões de barris de petróleo podem se encontrar no fundo do mar em torno das Malvinas. Mas os trabalhos de exploração preliminares até agora foram decepcionantes. E além das tensões políticas está o estresse físico de trabalhar numa região onde o mar em algumas áreas chega a uma profundidade de três mil metros, as chuvas são constantes e as temperaturas no inverno, de congelar. O custo de operar uma plataforma num ambiente como esse pode chegar a US$ 1 milhão por dia.
Esses são desafios enormes que podem provar ser insuperáveis. Do mesmo modo que uma tragédia histórica se torna uma farsa, o ouro negro muitas vezes se transforma no ouro dos tolos. Antes de fazer alguma coisa estúpida, a Argentina de Cristina Kirchner deve ser mais prudente, esperar e ver se existe alguma coisa pela qual vale a pena lutar. TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO