Título: Ricos têm menos informação sobre vacinas infantis do que pobres
Autor: Fabiane Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2010, Vida&, p. A18
Nível de conhecimento também é diferente entre pediatras do setor privado e do SUS, afirma estudo da Santa Casa de SP
A classe A, que registra as piores coberturas vacinais no Sudeste do País, tem informações vagas sobre as vacinas infantis e medo de reações adversas. Também delega a atualização da carteirinha de vacinação ao médico de confiança, sem grande preocupação com o documento. É o que revela pesquisa qualitativa feita em cinco capitais brasileiras pelo Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão (Celag), da Santa Casa de São Paulo, e financiada pelo Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana (Opas).
A situação, cogitam os pesquisadores, seria reflexo de orientação inadequada de profissionais de saúde do setor privado, que, no estudo, demonstraram pouco conhecimento técnico sobre os imunizantes. Os próprios pediatras da rede privada indicaram não ter informações aprofundadas sobre as vacinas infantis preconizadas pelo Programa Nacional de Imunização - sobre componentes das vacinas e reforço de doses, por exemplo. Profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) mostraram ter preparo.
Já pais e cuidadores da classe E - que reúne os mais pobres, que frequentam o SUS e tem melhores coberturas vacinais - indicaram grande preocupação com a atualização das carteiras. Os resultados podem ser atribuídos à força das campanhas de vacinação e à necessidade da carteirinha atualizada para, por exemplo, ter acesso às creches públicas.
A pesquisa, qualitativa, é a segunda parte de um inquérito de cobertura vacinal divulgado em 2008 e que mostrou que a vacinação na classe A, no Sudeste do País, está abaixo da meta e é pior do que na classe E. Na região, apenas 68,9% das crianças com 18 meses de famílias mais abastadas tinham recebido todas as doses de vacinas do calendário oficial, que combatem doenças como tuberculose, meningite, hepatite B, paralisia infantil e sarampo. A meta era cobertura de 95%. Por se tratar de um estudo qualitativo, o trabalho divulgado agora apenas destaca quais foram os discursos predominantes entre cuidadores e médicos. Foram ouvidas 294 pessoas, no segundo semestre de 2008, em Belém, Florianópolis, Goiânia, Recife e São Paulo.
"Não existe especificidade de conhecimento (da vacina na classe A), ela considera que a responsabilidade é do médico. É uma delegação consentida, que dispensa o conhecimento", diz o epidemiologista José Cássio de Moraes, que coordenou o trabalho. "O que a pesquisa reforçou agora é que o principal motivo para não estar vacinado nessa classe é a falta de orientação do profissional."
Ainda segundo o especialista, o setor de puericultura está cada vez mais enfraquecido nas residências médicas nos hospitais de alta complexidade, que não têm como meta o acompanhamento infantil, o que também ajudaria a explicar a situação. Já médicos do SUS destacaram que manuais, apostilas e reuniões sobre vacinação antes das campanhas públicas garantiriam reciclagem. "É extremamente interessante como a política pública, se bem organizada, pode funcionar", diz.
No caso dos pediatras que trabalham no setor privado, explica Moraes, os discursos de alguns dos médicos indicam ainda ressalvas à vacinação, justificada pelos próprios profissionais pela decisão de seguir especialidades e práticas não hegemônicas na medicina. Entre elas estão a homeopatia e a antroposofia, cujos profissionais, em alguns casos, não recomendam as vacinas, apesar de entidades médicas serem contra.
Avaliações positivas sobre a política universal de vacinação apareceram em todos os grupos. Faltas pontuais de imunizantes, vacinas que não existem na rede pública e estão no setor privado, sobrecarga dos serviços públicos e logística inadequada nas campanhas, além de dúvidas sobre as coberturas vacinais, são questionamentos que surgiram nas entrevistas.
Para o responsável pela área de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Eitan Berezin, é difícil imaginar que médicos adotem posturas diferentes sobre as vacinas no setor privado e público. "São os mesmos médicos", comentou. Ele afirma, porém, que as baixas coberturas vacinais entre os abastados, que, desconfiados, não vacinam os filhos, são uma tendência demonstrada nos países mais ricos. "A questão é que quase todas as doenças combatidas estão controladas, então as pessoas acham que não existe mais sarampo, por exemplo. Mas quem não vacina pode causar um estrago na população. A vacina não é só proteção individual, é coletiva. Não funciona se só um vacinar."
"Médicos às vezes adotam um duplo comportamento. Há uma falsa percepção de que o paciente do SUS corre risco e o cliente privado, não", diz o brasileiro Jarbas Barbosa, gerente de controle de doenças da Opas. "Mas todos os surtos de sarampo que o Brasil teve recentemente foram por causa de pessoas de classes favorecidas que não tomaram vacina, viajaram e trouxeram a doença para o País." O vírus não circula no Brasil desde 2001. "Há um certo egoísmo social."