Título: Países mais fracos testam a zona do euro
Autor: Norris, Floyd
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2010, Economia, p. B6

"Devemos permanecer unidos", afirmou certa vez Benjamin Franklin, referindo-se às colônias que constituíam os Estados Unidos. "Do contrário, seremos enforcados separadamente."

Os países da zona do euro agora deveriam se perguntar se não estão diante de uma decisão semelhante. O núcleo do bloco formado por 16 nações - principalmente Alemanha e França - parece sólido. Mas alguns países da periferia estão em grave situação financeira, com alto desemprego e déficits orçamentários insustentáveis. O caminho para solucionar os problemas dos países da margem, como Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda, poderá determinar a conotação política da Europa e o futuro do próprio euro.

Os mercados mundiais tremeram na quinta-feira, diante dos sinais de que investidores nervosos estão ficando cada vez mais temerosos de emprestar dinheiro a Portugal. O país teve de reduzir um plano de empréstimos de curto prazo, coisa rara na Europa.

Se os investidores saírem ou exigirem taxas de juros exorbitantes, haverá pressões sobre a França, Alemanha e outros países para decidir o que fazer. Ajudariam os vizinhos problemáticos ou deixariam que caíssem na inadimplência, com graves repercussões para a Europa e os mercados globais?

O centro do problema é que há mais de dez anos a Europa não quis escolher a unificação ou a separação. Quis a unificação econômica e a continuação da independência política de cada país. Em suma, quis o melhor dos dois mundos e, por algum tempo, pareceu ter obtido êxito. O sucesso surpreendeu muitos economistas, a maioria na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, que haviam argumentado que uma moeda única exigiria antes a unificação política.

Persiste, em geral, a convicção de que, se precisarem de ajuda, os países da periferia da zona do euro poderão contar com os vizinhos mais prósperos. Mas, se essa ajuda se tornar realmente necessária, haverá condições. Até que ponto os países resgatados serão obrigados a renunciar à sua soberania política? Serão obrigados a cortar gastos ou a elevar impostos acima do que estarão dispostos a aceitar? Será que o resto da Europa os obrigará a adotar profundas mudanças nos planos de previdência do governo ou a demitir funcionários públicos? Como farão isso, mesmo que desejem, se os Parlamentos nacionais não concordarem?

Questões políticas também surgiriam entre os países do núcleo da eurozona. Muitos alemães ocidentais ficaram pasmos com o custo da unificação com o lado oriental. Se não gostaram de subsidiar seus próprios primos, gostarão de subsidiar gregos ou portugueses? A questão mais importante é, talvez, como as economias em dificuldade recuperarão a competitividade dentro da Europa. Antes da utilização do euro, quando a Europa tentava preservar a estabilidade cambial, mas mantinha as moedas separadas, ocorriam significativas desvalorizações periódicas de algumas moedas, principalmente da lira italiana. Com isso, os países voltavam a ser competitivos, por algum tempo.

O Pacto de Expansão e Estabilidade da Europa, que estabelece as normas de adesão ao euro, limita os déficits orçamentários. Seu objetivo é prevenir esse tipo de problema. Mas, em grande parte, não foi aplicado, principalmente depois que a Alemanha e a França acharam conveniente violar suas condições de acordo com suas conveniências econômicas.

A união política não solucionaria os problemas econômicos subjacentes, mas faria com que se tornasse mais fácil para o governo europeu oferecer assistência às áreas mais problemáticas mediante a transferência das receitas fiscais e programas especiais de gastos, e também facilitaria a aplicação das leis válidas para todo o continente, inclusive as profundamente impopulares.

Mesmo assim, poderiam surgir problemas. Nos EUA, alguns Estados, como a Califórnia, experimentam uma grave crise financeira. Mas, se ela se tornasse inadimplente, não haveria uma crise de endividamento nacional e Washington a ajudaria.

O mundo buscou muitas vezes a estabilidade das moedas através das fronteiras nacionais. O sistema ouro foi uma iniciativa nesse sentido, mas manteve separadas as moedas nacionais cujo valor em relação ao ouro poderia ser ajustado. Alguns economistas acham que a manutenção de taxas cambiais artificialmente elevadas foi a causa da Grande Depressão.

A diferença na atual zona do euro seria, talvez, que as obrigações legais não oferecem possibilidade de sair dela. Se um país tentasse sair, causaria graves problemas. Qual seria a nova taxa cambial? Como seriam tratadas as dívidas em euro? Se tivessem de ser saldadas em euros, isso provocaria um novo choque nas economias que se retirassem, assim como os países que haviam contraído dívidas em dólares tiveram enormes dificuldades depois que foram obrigados a desvalorizar. Se, por outro lado, um país declarasse que a dívida poderia ser paga com base em alguma outra taxa cambial, de maneira que uma dívida de 100 euros pudesse ser paga em moeda nacional, que agora valesse menos de 100 euros, isso seria considerado injusto pelos credores.

De certo modo, em dado momento os EUA se defrontaram com esse problema. Muitos contratos de títulos emitidos antes que o presidente Franklin D. Roosevelt desvalorizasse o dólar, durante a Depressão, especificavam que os pagamentos deveriam ser em "dólares-ouro" na taxa histórica do ouro em relação ao dólar. A Suprema Corte, num parecer que talvez tenha se baseado mais na necessidade econômica do que na letra da lei, determinou que esses contratos não poderiam ser aplicados e as dívidas em "dólares-ouro" poderiam ser paga em dólares desvalorizados.

Não há nenhuma garantia de que sejam exigidas medidas tão radicais. A Europa poderá se arranjar com promessas de mudança com as quais os credores se considerem satisfeitos e com uma recuperação econômica mundial que reduza a necessidade de ação mais rigorosa.

Mas as previsões otimistas de que, diante da inexistência de desvalorizações, os países europeus abrissem suas economias para torná-las mais competitivas, revelaram-se equivocadas. Aconteceu o contrário. Uma moeda comum, com taxas de juros estreitamente ligadas, permitiu que alguns países adiassem as mudanças ou tentassem empreendê-las de maneira tão gradativa que não fizeram grande diferença. Não é fácil convencer os políticos a adotar medidas que podem dificultar sua reeleição.

Entretanto, se o problema do euro se transformar numa crise, 2010 poderá se tornar o ano dos conflitos monetários. EUA e Europa estão mais irritados com a recusa da China de permitir a valorização do yuan.

Ajustes monetários não são um remédio universal. As desvalorizações competitivas eram comuns na Depressão e não foram benéficas para a economia mundial. Mas, quando as circunstâncias mudam, há necessidade de alguma flexibilidade. Em algumas áreas críticas da economia mundial, essa flexibilidade não existe.