Título: Portugal se empenha em mostrar economia recuperada
Autor: Donadio, Rachel
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2010, Economia, p. B9

Pelas ruas enladeiradas desta taciturna cidade atlântica conhecida pela sua melancolia mesmo em tempos favoráveis, as pessoas parecem conter o fôlego sem saber se a economia de Portugal melhorará ou se agravará - enfraquecendo a saúde financeira geral da Europa. "Estamos esperando o governo fazer alguma coisa, mas eles são absolutamente desorganizados", disse Conceição Bobião, 63 anos, vendedora de uma loja de calçados na Praça do Rossio, perto de monumentos do passado colonial do país no centro de Lisboa.

Um dos países mais introvertidos e modestos da Europa ocidental, Portugal foi inesperadamente colocado na berlinda internacional na semana passada quando os mercados despencaram temendo que ele - e a Espanha - pudesse ser visto na mesma categoria que a Grécia, cuja escalada de dívida, déficit e falta de credibilidade solapou a confiança no euro.

Nesta semana, o governo socialista do primeiro-ministro José Sócrates se contorceu para tranquilizar os mercados e seu eleitorado de que tinha o necessário para reduzir seu déficit - que atingiu 9,3% do Produto Interno Bruto no ano passado - para menos que o teto de 3% estabelecido pela União Monetária Europeia até 2013.

"Faremos o trabalho em três anos", disse Sócrates, na terça-feira, numa entrevista em sua residência oficial. "É um trabalho difícil, claro, mas estou preparado para fazê-lo." Mas os mercados e observadores não estão certos disso. Além da crise econômica, o líder socialista enfrenta uma pressão política intensa na tentativa de reduzir os gastos do setor público. Ele perdeu a maioria nas eleições parlamentares de setembro e agora tem dificuldade para manter a ordem com uma oposição indócil, mesmo sem foco.

Na semana passada, os mercados despencaram depois que o comissário europeu para assuntos econômicos e monetários, Joaquín Almunia, listou Portugal, Grécia e Espanha como países que haviam mostrado "uma perda permanente de competitividade" desde que entraram na União Econômica e Monetária Europeia.

Sócrates parecia muito preocupado com a gravidade dos problemas de seu país e curiosamente indiferente aos dados da União Europeia. Ele rejeitou a noção de que Portugal estava atrás de seus congêneres na UE em produtividade e trabalho especializado. "Isso não tem nada a ver com a nossa economia." Mas, após décadas baseando sua economia nos baixos custos da mão de obra, Portugal foi duramente atingido pela expansão da UE para o leste e o afrouxamento das barreiras comerciais com a Ásia. Hoje, luta para competir com seus vizinhos mais ricos da UE, tendo apresentado um crescimento inexpressivo na última década.

"Países são como empresas. É preciso se manter um passo à frente", disse Camilo Lourenço, comentarista econômico em Lisboa. Portugal "não percebeu que estava ficando obsoleto com a expansão da UE", acrescentou. "Ninguém presta atenção até que ocorra um choque." Lourenço não acha que o governo tenha a habilidade política ou um plano coerente para alinhar o déficit. "É isso que me preocupa."

Sócrates atribuiu o grande aumento do déficit em Portugal a uma forte queda na arrecadação e observou que ele não estava desalinhado com o de outros países das UE. "Ter um déficit agora é muito normal", disse ele. "Todos os países desenvolvidos têm problemas com seus déficits neste momento." Alguns líderes empresariais em Portugal pareceram surpresos com o pânico do mercado na semana passada, especialmente porque nenhum dado novo havia sido divulgado.

"Os mercados exageraram na resposta", disse Paulo Moita Macedo, vice-presidente do banco português Millenium bpc, que como principal funcionário da Receita de 2004 a 2007 ganhou aplausos pela reforma do sistema de arrecadação fiscal do país. "Mas ninguém discorda de que precisamos gastar menos." A dívida de Portugal deve subir para 85% do PIB este ano, em comparação aos 76,6% de 2009, por causa do aumento do desemprego e dos gastos do governo em infraestrutura como barragens, sistemas de energia e uma linha ferroviária de alta velocidade para Madri.

Principal força de oposição em Portugal, os social-democratas criticaram o governo por despejar dinheiro emprestado nos problemas. O próprio Sócrates evitou o termo "gastos de estímulo", dizendo: "Gastos não, investimento".

O governo espera que seu histórico ajude a aumentar a confiança. Quando o déficit de Portugal subiu acima de 6% em 2005, ele o trouxe para 3% em 2007 cortando gastos públicos. "Nós o fizemos no passado - nós o faremos de novo", disse o ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, na terça-feira. "Somos os mesmos. Estamos comprometidos em fazer isso." Desta vez, contudo, não têm uma sólida maioria.

Sócrates se esforçou para distinguir Portugal da Grécia. Ele disse que o país havia realizado reformas estruturais "muito sérias" nos últimos anos, incluindo a redução do setor público, a elevação da idade de aposentadoria e a mudança do sistema de previdência social. Diferentemente de Grécia ou Itália, Portugal também instituiu sistemas sofisticados de e-banking pelos quais os cidadãos podem pagar impostos em caixas eletrônicos.

Enquanto crescem as conversas sobre um possível salvamento da Grécia, Sócrates insiste que Portugal não precisa de ajuda da União Europeia. "Não precisamos de nada de Bruxelas", disse enfaticamente. TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK